As águas rasas da Bacia de Santos podem ter mais gás que a Bolívia, mas o governo e a Petrobrás parecem ter esquecido essa riqueza, mais acessível e mais fácil de explorar que o petróleo do pré-sal. "É uma coisa que preocupa: vamos gastar fortunas, num esforço fantástico no pré-sal, quando temos em águas rasas e semi-rasas importantes reservas de gás", disse o presidente da Associação Brasileira de Geólogos de Petróleo (ABGP), Márcio Mello, em debate promovido pelo Estado, na quinta-feira, sobre "O Futuro do Pré-Sal". A recente descoberta abre uma oportunidade extraordinária, observou o geólogo, "mas não podemos esquecer o pós-sal".
É um erro grave, segundo ele, reduzir a atividade exploratória numa área com potencial para mais do que dobrar a reserva conhecida de petróleo e gás, hoje estimada em 14 bilhões de barris. Com sua participação, Márcio Mello ampliou o debate sobre a política brasileira de hidrocarbonetos. Essa discussão está concentrada no modelo de exploração de um petróleo ainda inacessível, a mais de 6 mil metros de profundidade e a mais de 200 quilômetros da costa, e na partilha do dinheiro que será gerado por essa atividade.
A intervenção do presidente da ABGP chamou a atenção para uma questão da maior importância, mas atualmente negligenciada: quais devem ser as prioridades na exploração das reservas de petróleo e gás? Economicamente, começar pela exploração dos recursos mais acessíveis parece o mais sensato, e por mais de uma razão. O retorno do capital investido será mais rápido, em termos empresariais, e isso tornará mais fácil custear a exploração do pré-sal. Além do mais, o abastecimento de gás ficará mais seguro, com menor dependência do produto boliviano. O governo e a Petrobrás podem ter argumentos para justificar a escolha do pré-sal como prioridade, mas não há como desconhecer, simplesmente, as ponderações do geólogo Márcio Mello.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o senador Aloizio Mercadante (PT-SP) concentraram-se no debate sobre as mudanças legislativas defendidas pelo governo, sobre a destinação da renda do pré-sal e na própria conveniência de se avançar, agora, na discussão dessas questões.
"A única coisa que não interessa ao Brasil é o silêncio sobre esse tema", disse o senador, defendendo a posição do governo. O presidente Fernando Henrique preferiu uma posição mais cautelosa e mais pé no chão. Não tem muito sentido, segundo ele, gastar tanto tempo e esforço discutindo o uso de uma renda hipotética e, na melhor hipótese, acessível somente depois de muito investimento e de muitos anos de espera. Além disso, segundo ele, o governo deveria ser mais prudente ao planejar o modelo de exploração do pré-sal, com uma nova atribuição de papéis e de direitos ao governo e às empresas participantes do empreendimento. O sistema de partilha, segundo Mercadante, é o mais adequado aos novos projetos. Mas o melhor modelo, segundo Fernando Henrique, "não é aquele que sai da cabeça de um intelectual" e sim o que flui das conversas. Em outras palavras, é preciso conversar, negociar e compor interesses, em vez de tentar impor uma solução.
Quanto a este ponto, o debate reproduziu e aprofundou os principais argumentos que têm circulado no País desde que o governo decidiu converter o pré-sal no foco das decisões estratégicas da política do petróleo e do gás. O economista e empresário Francisco Gros, ex-presidente do Banco Central e da Petrobrás e hoje principal executivo da OGX, voltou a chamar a atenção para o problema do financiamento: sairá muito caro completar a prospecção da área do pré-sal e converter o petróleo e o gás nela contidos em riqueza efetiva. Equacionar esse problema deveria ser a prioridade do governo, em termos práticos. "Não podemos cair na ilusão do Eldorado", disse Francisco Gros. "O Brasil tem petróleo, mas ainda é preciso atrair investimentos para desenvolver essas áreas."
Debaixo da água, do solo marítimo e do sal, petróleo e gás são recursos naturais, não riquezas de fato. O debate promovido pelo Estado serviu também para chamar a atenção, de novo, para essa verdade tão simples e evidente quanto negligenciada pelos políticos e até, aparentemente, por alguns técnicos. Decidir o que fazer com essa riqueza é certamente importante, mas não é, na ordem prática, o problema número um.
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