sábado, 20 de setembro de 2008

Opinião do Estadão: O grampo e a ''culpa'' da imprensa

imprensa_livre A investigação sobre a escuta ilegal e o vazamento de uma conversa telefônica do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, com o senador Demóstenes Torres parece não ter avançado grande coisa com a perícia feita pelo Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal (PF), em 16 equipamentos da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) - acusada da autoria do grampo. Concluiu-se que eles não servem para interceptar conversas em telefones como os utilizados pelo juiz e o senador (celulares analógicos). Isso não elimina as suspeitas de que agentes da Abin tenham participado do ultraje, à revelia ou não da cúpula do organismo.

Primeiro, porque aqueles equipamentos podem não ser os únicos à disposição da Abin. Foi o que deu a entender o ministro da Defesa, Nelson Jobim, em depoimento à CPI dos Grampos - razão por que a comissão lhe solicitou que forneça a relação completa dos aparelhos comprados pela agência nos últimos quatro anos. Além disso, a CPI encomendará à Unicamp perícia própria nos equipamentos a que tiver acesso. Segundo, porque a arapongagem pode ter sido executada por agentes da Abin ou por terceiros, como aventou o presidente do STF, com engenhocas adquiridas clandestinamente. Terceiro, porque não se conhece o resultado de outra perícia, feita pelo Exército.

De todo modo, o trabalho da PF produziu uma revelação comprometedora para a Abin, já não bastasse o seu ilícito envolvimento com a Operação Satiagraha, do delegado Protógenes Queiroz. Dos 16 aparelhos examinados, 5 se prestam para escutas ambientais - registros de conversas entre interlocutores face a face. Um dos aparelhos pode ser acionado por controle remoto, a mais de 500 metros do local. Antes ainda do escândalo que levou o presidente Lula a afastá-lo do cargo, o diretor-geral da Abin, Paulo Lacerda, disse à CPI que a agência não fazia escuta "nem telefônica, nem ambiental, nem em qualquer outro tipo de equipamento de comunicação".

Não poderia ter dito outra coisa, porque a lei só admite quebras autorizadas de sigilo de comunicações em inquéritos criminais - e a Abin não tem poderes de polícia judiciária. Os fatos tiram o gás das palavras de Lacerda. Ele permitiu que, a pedido de Protógenes, mais de 50 de seus agentes trabalhassem na Satiagraha, uma investigação sob segredo de Justiça. Dias atrás, Lacerda disse a uma comissão do Congresso que "achava" que a solicitação do delegado tinha respaldo superior. A espúria cooperação entre a Abin e a PF e o grampo de que Mendes e Torres foram alvo são frutos da mesma árvore. A elucidação do caso lançará luz sobre os subterrâneos dessa parceria.

Por via das dúvidas, o governo já escolheu um culpado - a liberdade de imprensa. À CPI dos Grampos, o ministro Jobim defendeu duas enormidades. Uma seria "relativizar", em casos de crimes, o direito constitucional da imprensa de manter em sigilo as suas fontes - algo que, abolido, permitiria punir o jornalista para quem a história do grampo foi vazada, caso se recusasse a identificar o vazador. Outra seria proibir a imprensa de publicar informações obtidas por terceiros mediante escutas. O sigilo da fonte, em quaisquer circunstâncias, é indissociável do direito da sociedade à informação - a começar da que se refere às ações dos governos.

Freqüentemente, os malfeitos dos poderosos chegam ao conhecimento do público apenas porque os denunciantes contam com a proteção do anonimato para contar o que sabem. Por outro lado, a informação sigilosa que a imprensa poderá publicar - o conteúdo de uma gravação, por exemplo - já deixou de ser secreta no momento em que o seu detentor a passou adiante. Não é só o ministro da Defesa, porém, que põe na conta da mídia as mazelas que o governo fracassa em sanar. O projeto recém-enviado ao Congresso para reprimir os grampos ilícitos e a violação do sigilo dos grampos legais dá margem a que o grampeado peça a condenação do periódico que divulgou a interceptação, se se considerar caluniado ou difamado por seu teor.

Trata-se de um direito que já assiste a qualquer um em relação ao que se publique a seu respeito. Portanto, que sentido tem, a não ser o de intimidar a imprensa, consignar que alguém poderá fazer o que, afinal, já poderia?


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sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Operação Dríade em SC - empresa teria pago propina a política

A Proactiva teria pago R$ 1 milhão a vereadores e a um ex-prefeito de Biguaçu, na Grande Florianópolis, para fraudar a concessão que definiria a empresa que vai fornecer água no município. Outra parcela no mesmo valor seria desembolsada.
As informações constam da decisão da juíza substituta da Vara Federal Ambiental Marjôrie Cristina da Silva, que autorizou as prisões da Operação Dríade, deflagrada na quarta-feira pela Polícia Federal (PF).

O documento, ao qual o Diário Catarinense teve acesso exclusivo, aponta que os responsáveis pelas empresas Inplac, Proactiva e Schaefer Yachts teriam corrompido servidores da Fundação do Meio Ambiente (Fatma) e políticos de Biguaçu para conseguir aprovar obras que tinham interesse. A PF pediu a prisão de 22 pessoas que estariam envolvidas com o suposto esquema, mas somente 14 foram autorizadas pela Justiça. Os nomes dos políticos supostamente beneficiados pelo repasse da Proactiva não são citados no despacho.

Em um trecho do despacho, a juíza relata suspeitas de descumprimento da lei para construção de loteamentos, do Plano Diretor, redução de Áreas de Preservação Permanente, ocupação desordenada. Todas as irregularidades ocorreriam para aprovar projetos que favoreceriam um grupo das três empresas.

O documento ainda relata suspeitas de irregularidades no tratamento de lixo, em especial o hospitalar que seria depositado em local inapropriado e não receberia o tratamento adequado no aterro de Biguaçu. O gerente sanitário, Ernani Luiz Santa Ritta, e o diretor da empresa no Estado, José Luiz Piccoli, são suspeitos de alterar provas para dificultar a constatação das irregularidades. Ambos estão presos.

As investigações contaram com o monitoramento telefônico dos suspeitos por, pelo menos, quatro meses. Uma manifestação do Ministério Público Federal incluída na decisão judicial afirmou que há elementos para comprovar as denúncias, principalmente a de formação de quadrilha para obtenção de licenças ambientais falsas, através da aprovação de projetos de lei de alteração do Plano Diretor.

Vereador agiria como articulador

O texto da decisão judicial afirma que o vereador Luiz Carlos Rocha, o Carlito, atuava como articulador da quadrilha que defenderia os interesses da empresa Inplac, em Biguaçu. De acordo com o texto da juíza Marjôrie Cristina da Silva, ele agiria em favor do proprietário da Inplac, o empresário Fernando Marcondes de Mattos.

Documentos anexados ao inquérito demonstram que Rocha exercia grande influência nos demais vereadores e junto à Secretaria de Meio Ambiente. O cargo é ocupado por Sandro Roberto Andretti, que teria sido indicado por Carlito. O suspeito tomaria as decisões em conjunto com o empresário Fernando Marcondes de Mattos, proprietário da Inplac.

Aprovação incomum para estaleiro

Os projetos para a implantação de um estaleiro da Schaefer Yachts em Biguaçu foram aprovados com uma rapidez incomum, aponta o despacho da juíza Marjôrie Cristina da Silva, da Vara Federal Ambiental. O texto do documento cita denúncias de pagamento de propina para vereadores e membros do Executivo.

No trecho que trata do proprietário do estaleiro, Márcio Luz Schaefer, está escrito que os projetos que alteravam o Plano Diretor e permitiriam a construção da fábrica de barcos foram aprovados em um dia. No despacho da Justiça consta que "os sete vereadores teriam recebido valores em espécie". O empresário teria contado com a participação direta do presidente da Câmara de Biguaçu, Manoel Airton Pereira, e do secretário de Planejamento, João José Morfim Neto.

O órgão tem três servidores investigados por suspeita de conceder licenças irregulares à Schaefer Yachts: Márcio Rosa, Zeno Silveira de Souza Brito e Newton Luiz Cascaes Pizzolatti, este também envolvido na Operação Moeda Verde. O texto do despacho da Justiça revela que o Ministério Público Federal informou à Vara Federal Ambiental que a Fatma estava se negando a apresentar documentos solicitados pela Polícia Federal.

Dríade

As dríades, na mitologia clássica, eram divindades (ninfas) associadas à preservação do meio ambiente. Habitavam as árvores, os bosques e as montanhas. Em muitos casos, vingavam os deuses ofendidos com o desrespeito demonstrado à natureza. ClicRBS


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Inversão de valores: Jobim quer punir jornalistas que divulgam grampos e deseja a quebra do sigilo da fonte

 

Jorge Serrão

O ministro da Defesa praticou ontem seu maior ataque à liberdade de expressão. Durante o depoimento à CPI dos Grampos, Nelson Jobim defendeu mudanças na legislação para punir pessoas responsáveis por vazar informações obtidas em escutas telefônicas, inclusive jornalistas. Jobim também sugeriu que a imprensa possa ser obrigada a revelar suas fontes em alguns casos. “Os senhores terão que prestar atenção não só no interceptador ilícito, mas também no vazador de informações. Se os senhores não fecharem as duas pontas, vai continuar a acontecer o que está acontecendo”.

Ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, e que sonha ser candidato à sucessão presidencial de 2010, com o apoio dos banqueiros nacionais e internacionais, Nelson Jobim sugeriu aos integrantes da CPI que façam propostas para alterar a legislação sobre o sigilo da informação jornalística. No debate com parlamentares, Jobim insinuou que os jornalistas podem utilizar o preceito da liberdade de expressão para agir com irresponsabilidade e sugeriu que os deputados considerem se "a liberdade é a mesma coisa que a irresponsabilidade": “Temos que discutir se o sigilo da fonte é ou não absoluto, ou se pode ser relativizado em casos constitucionais. Já há alguns casos em que o Supremo Tribunal Federal relativizou os direitos constitucionais”.

Questionado sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que limitou o acesso a dados sobre escutas legais registradas nas empresas de telefonia, Jobim reclamou que as CPIs são conhecidas fontes de vazamento de dados. Segundo ele, isso ocorre devido à "relação perniciosa que se estabelece entre jornalistas, deputados, ministério público e polícia". Mais uma vez, Nelson Jobim comprovou seu total desapreço pela democracia, que é a segurança do direito individual natural.

O deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), que é jornalista profissional, confrontou Jobim e lembrou o ministro dos prejuízos à democracia que resultariam do cerceamento da liberdade de imprensa. Miro citou o ex-presidente americano Thomas Jefferson, defensor da liberdade de imprensa como garantia de uma sociedade livre e segura. Depois pediu que o ministro Jobim se recordasse que só foi possível descobrir que o presidente do STF, Gilmar Mendes, teria sido grampeado por descoberta da imprensa.

Como ministro aposentado do STF, Jobim teria a obrigação de saber que, no Brasil, a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição. Está escrito na Constituição Federal de 1988. Ou não vale mais o que está escrito lá? No Art. 5º está anotado: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

O mesmo artigo se lê: IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer; XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional.

Nosso texto constitucional (ainda em vigor, até prova em contrário), em seu Capítulo V (Da Comunicação Social) deixa claro em seu Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

No § 1º, está escrito: Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV. No § 2º: É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. No § 5º: Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio. E no § 6º A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade. Alerta Total


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Opinião no Estadão: Demarcação de terras particulares

Cícero Alves da Costa

O legislador constitucional estabeleceu prazo de cinco anos a partir da promulgação da Carta Magna (5 de outubro de 1988) para que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, no Brasil, fossem demarcadas por seu proprietário, ou seja, a União Federal. Aliás, as expressões terras indígenas ou terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são sinônimas e identificam as terras da União que são ocupadas ou habitadas presente e permanentemente pelos indígenas.

A conceituação jurídica está estampada no inciso I do artigo 231 da Constituição federal, nos seguintes termos: "São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições."

As terras indígenas, note-se bem, são identificadas pela somatória de quatro elementos: habitação, utilização, imprescindibilidade e necessidade. Logo, as terras desabitadas ou não ocupadas por índios não são utilizadas, não são imprescindíveis, muito menos são necessárias. Na ausência de um só desses elementos, a terra jamais será indígena. Por isso a posse indígena exige a habitação ou a ocupação dos índios, presente e permanente. É por isso que a posse indígena está regulamentada na Constituição, e não no Código Civil.

Já as terras particulares ou privadas são identificadas pelo domínio particular, isto é, pelo simples registro ou matrícula imobiliária. A posse civil não exige a habitação ou ocupação presente e permanente do possuidor. As diferenças mostram que as terras indígenas jamais se confundem com as terras particulares.

Esses esclarecimentos são necessários, pois fazem entender o motivo que leva a Fundação Nacional do Índio (Funai) a demarcar terras particulares. Tudo começa no desvio de finalidade do Decreto 1.775/96, o qual constitui norma programática que regulamenta, orienta e legitima o procedimento demarcatório de terras públicas indígenas da União. Esse decreto não se presta a demarcar terras particulares. A Funai, todavia, o utiliza e promove processo administrativo que demarca tanto terras públicas indígenas da União quanto terras particulares. E o Ministério Público Federal apóia esse modus operandi.

O uso do decreto para demarcar terras públicas indígenas da União constitui instrumento legítimo e constitucional. Não o é, contudo, para demarcar terras particulares. O procedimento demarcatório de terras indígenas para demarcar terras particulares não tem previsão na lei. O ato causa lesão grave e dano de difícil e incerta reparação ao proprietário de terras particulares. Afronta a segurança jurídica. Causa danos ao Estado de Direito.

No Estado de Mato Grosso do Sul (MS) são inúmeras as terras particulares que estão sendo demarcadas como terras indígenas. Esse "método" é danoso aos direitos e garantias fundamentais. E virou moda em todo o Brasil.

Antropologicamente, a Funai estuda as terras particulares como terras indígenas da União. No final do estudo, o órgão federal de assistência ao índio elabora um relatório antropológico em que identifica, delimita e declara a ocupação indígena em terras particulares. A ocupação indígena declarada se fundamenta na posse indígena pretérita. Logo, as terras identificadas e delimitadas não são indígenas. São terras particulares. A ocupação indígena pretérita declarada unilateralmente, e não a ocupação indígena presente exigida pela Constituição, transforma terras particulares em terras indígenas.

Esse é o "detalhe" que ninguém vislumbra. Ninguém enxerga. Nem mesmo o Poder Judiciário federal. A ocupação indígena pretérita dá aparência de legalidade ao processo demarcatório contra terras particulares. Ninguém se dá conta da ilegalidade! O Poder Judiciário federal de primeira e segunda instâncias tem dito sistematicamente que o ato é meramente declaratório. O que não é verdadeiro. O ato declaratório é constitutivo de direito. A União torna-se proprietária das terras particulares que o órgão federal de assistência ao índio declara de ocupação indígena e demarca como terras indígenas.

Definitivamente, quando a Funai declara a ocupação tradicional de índios em terras particulares, e o que é pior, baseado em conceito antropológico de posse indígena imemorial, pretérita e temporária, e não no conceito constitucional da posse indígena presente e permanente, o resultado é desastroso. Típico caso de confisco de terras particulares. A reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, constitui o exemplo clássico atual. Panambi (MS), o exemplo clássico passado.

Sem ordem judicial a Funai não tem competência sequer para estudar terras particulares, quanto mais declará-las terras de ocupação indígena. A ilegalidade salta aos olhos. Só o Poder Judiciário tem competência para transformar terras particulares em terras públicas indígenas. Jamais o presidente da República, por decreto. O processo de demarcação de terras indígenas contra terras particulares não constitui o devido processo legal. Não há norma que legitime o procedimento demarcatório de terras indígenas contra terras particulares.

Bem por isso o assunto aqui tratado pode ser resolvido por meio das seguintes assertivas: o órgão federal de assistência ao índio não pode demarcar terras das quais nem ele nem a União são proprietários; a demarcação de terras indígenas contra terras particulares constitui modo ilegal de aquisição da propriedade imóvel particular pela União. Por isso, o órgão federal de assistência ao índio é parte manifestamente ilegítima para demarcar terras particulares.

Cícero Alves da Costa é advogado em Dourados (MS).


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quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Opinião do Estadão: Internet ruim e cara

internet_caveira O uso da internet no Brasil se expande com grande rapidez. Em julho, o número de pessoas que utilizam a conexão residencial chegou a 23,7 milhões e o tempo médio de navegação doméstica por mês foi de 24 horas e 54 minutos. No primeiro semestre, o Brasil registrou 10,04 milhões de usuários conectados à rede de alta velocidade, a banda larga, com aumento de 48% em um ano. Esse número, de acordo com projeções das empresas do setor, só seria alcançado em 2010. Agora, elas prevêem que, em dois anos, a banda larga terá 15 milhões de usuários.

No entanto, essa notável expansão vem impondo ônus ao usuário brasileiro. Baixa qualidade e tarifa exagerada são duas das conseqüências mais notórias do rápido aumento do número de internautas que utilizam a banda larga e da falta de concorrência.

Estudo feito por duas universidades européias sobre a qualidade da internet de alta velocidade mostra o Brasil à frente apenas de outros quatro países, numa lista de 42 pesquisados. "O Brasil está pior do que a gente gostaria", disse ao Estado o presidente no País da Cisco (empresa de equipamentos de rede de comunicações que patrocinou o estudo), Pedro Ripper.

O estudo tomou como base um índice de qualidade da banda larga que leva em conta as velocidades de recebimento e de envio de dados e do percurso de um conjunto de dados de sua fonte até o destino. Não foram considerados o custo da banda larga nem a disseminação de seu uso.

Numa classificação de 0 a 100, o Brasil ganhou a nota 13, que lhe deu a 38ª classificação. Ficou à frente apenas de Chipre, México, China e Índia (entre os países que formam o Bric, o Brasil só ficou atrás da Rússia, que obteve a 17ª posição). Os cinco países que oferecem a melhor internet de banda larga são Japão, Suécia, Holanda, Letônia e Coréia do Sul.

A presença da Letônia entre os cinco melhores países quanto à internet rápida não é a única surpresa do estudo. Outros países do Leste Europeu também aparecem em boa classificação (Lituânia, em 7º e Eslovênia, em 10º). Os EUA aparecem apenas na 16ª posição. Países industrializados, como Espanha, Itália e Reino Unido, tiveram nota abaixo da necessária para assegurar o uso adequado dos serviços disponíveis na internet, como vídeos, bate-papo com vídeo e troca de arquivos, que é de 35 pontos. Para novos aplicativos, como vídeo de alta definição, a nota exigida é de 75 pontos, que só o Japão alcançou.

As transmissões de vídeo vêm ganhando popularidade entre os usuários da internet e é isso que tem impulsionado o crescimento do número de assinantes da banda larga no Brasil e nos outros países. Apesar do aumento expressivo desses assinantes no Brasil, de 2007 para cá, outros países latino-americanos utilizam proporcionalmente mais o sistema. No Chile, por exemplo, a banda larga é utilizada por 8,8% da população e na Argentina, por 6,6%. No Brasil, o índice é de 4,4%.

A entrada das operadoras de telefonia celular na internet foi um dos principais fatores da expansão da banda larga. Até meados de 2007, o número de conexões móveis em banda larga não chegava a 250 mil; no primeiro semestre de 2008, chegou a 1,3 milhão.

Quanto mais empresas oferecerem o serviço mais barato ele tende a ficar. Ocorre, porém, que a concorrência inexiste nos serviços de banda larga por rede de fios, de telefonia ou de televisão a cabo. As empresas que instalaram essa rede são, em geral, suas usuárias exclusivas. Ou seja, não há competição. Tornar mais competitivo esse mercado exige mudança das regras para permitir o uso de uma mesma rede por mais de um prestador de serviço. Além de oferecer seus próprios serviços por meio da rede na qual investiu, a empresa responsável pela instalação dessa rede poderia auferir uma renda adicional pela permissão de seu uso por empresas concorrentes.

Enquanto não se alteram as regras do sistema de telecomunicações, para assegurar mais competição na banda larga, o usuário brasileiro paga por ela um preço que chega a ser centenas de vezes maior do que o pago pelos usuários europeus ou japoneses - e por um serviço que deixa a desejar.


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quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Opinião do Estadão: A parcialidade da Unasul

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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deveria ter seguido seu instinto político. Quando soube da convocação, pela presidente do Chile, Michelle Bachelet, da reunião da União das Nações Sul-Americanas (Unasul) para examinar a crise boliviana, seu primeiro impulso foi recusar o convite e mandar um representante em seu lugar. Ele não via sentido numa reunião de chefes de Estado, uma vez que o grupo não poderia tomar decisões que só cabem ao presidente Evo Morales. Isso, aliás, havia ficado claro quando o presidente boliviano recusou a mediação do Grupo de Amigos da Bolívia (Brasil, Argentina e Colômbia) oferecida dias antes pelo próprio Lula - enquanto procura negociar com seus opositores. De certo, o presidente brasileiro também receava que o encontro de presidentes fosse usado como palco para mais uma das agressivas demonstrações de radicalismo do caudilho Hugo Chávez, que já havia ameaçado intervir militarmente na Bolívia se a crise interna pusesse em risco o governo de seu discípulo bolivariano, Evo Morales.

Mas Lula deixou-se convencer, finalmente, de que a reunião da Unasul não apenas não configuraria uma intromissão nos assuntos internos da Bolívia, como sua realização interessava a Morales. Também teria pesado na sua decisão de ir a Santiago o fato de ser aquela a primeira reunião do novo organismo regional criado para substituir a OEA - ou seja, para evitar qualquer ingerência política dos Estados Unidos nos assuntos sul-americanos.
Os debates entre os presidentes e o texto do comunicado final da Unasul mostram que o presidente Lula teria saído no lucro não indo a Santiago. Para começar, Michelle Bachelet, presidente de turno da organização, teve grande trabalho para evitar que referências grosseiras aos Estados Unidos - acusados de fomentarem uma guerra civil na Bolívia - constassem do documento final, como exigiam Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Correa. Mesmo assim, o texto aprovado por unanimidade é um primor de parcialidade, não por dar respaldo a um presidente eleito, mas por considerá-lo, contra todas as evidências, como o paladino da "institucionalidade democrática", do "Estado de Direito" e da "ordem jurídica vigente".

Não há quem não saiba que o caos político e social se instalou na Bolívia porque Evo Morales violentou todos os princípios da democracia na sua tentativa de implantar no país um extravagante regime socialista, baseado no autoritarismo do confuso bolivarianismo de Chávez e temperado com um modelo de organização social pré-colombiano.

Antes que a situação chegasse ao ponto atual, o homem que a Unasul considera o guardião das liberdades democráticas fechou o Congresso, praticamente dissolveu a Corte Suprema e fraudou escandalosamente o processo de elaboração da Constituição que quer impor ao país. Foi contra tudo isso que se insurgiram cinco dos nove Departamentos da Bolívia. Seus governadores também deixaram a lei de lado e seria risível, não fosse trágico, falar na "ordem legal vigente" na Bolívia.

É também estranho que a Unasul exija respeito à integridade territorial da Bolívia. Há pelo menos dois anos, desde que os ânimos começaram a se acirrar, os governadores de oposição e as organizações cívicas que os apóiam não se cansam de afirmar que seu objetivo é evitar a imposição do socialismo e da ordem social pré-colombiana - que deixa em posição de submissão quem não é índio - e consagrar a autonomia dos Departamentos - e não a deposição de Evo Morales e, muito menos, a secessão do país. Se, nesse período, existiu alguma ameaça à integridade da Bolívia, ela partiu do caudilho Hugo Chávez, que mais de uma vez se disse disposto a intervir militarmente no país.

Do espetáculo encenado em Santiago teria restado de útil a decisão de organizar uma comissão para acompanhar os trabalhos de uma mesa de diálogo entre o governo e a oposição bolivianos. Mas os presidentes reunidos fizeram um "apelo ao diálogo" quando, havia já 48 horas, se reuniam no Palácio Quemado, em La Paz, o vice-presidente Álvaro Garcia Linera e o governador de Tarija, Mario Cossio, para acertar as bases das negociações entre o governo e os governadores da "meia-lua". É desse diálogo que pode surgir a tão desejada "harmonização" entre a Constituição de Morales e as reivindicações políticas dos governadores - única forma pacífica de solucionar a crise boliviana.


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terça-feira, 16 de setembro de 2008

Opinião do Estadão: Proliferação de municípios

 interior

Mesmo levando em conta o tamanho da população nacional, a extensão do território e a heterogeneidade de suas características, não se dirá que a Federação brasileira tem, em geral, menos municípios do que seria razoável. Mas as pressões pela criação de novas unidades em quase todo o País são uma constante política. Propostas nesse sentido tramitam em 24 Assembléias Legislativas. Se aprovadas, aos atuais 5.562 municípios se somarão outros 806, mediante a emancipação de distritos. Todos, naturalmente, terão os seus prefeitos, vereadores - que passariam de 51.700 para cerca de 59 mil -, funcionários e um mínimo de infra-estrutura material, exigindo, portanto, novos gastos com a implantação e o custeio da administração pública.

A proliferação acelerada de novos municípios começou com a Constituição de 1988, que deu aos Estados poderes autônomos para emancipar distritos. Desde então, até 1997, surgiram 1.480 novos municípios, a maioria dos quais sem condições de se manter, sobrevivendo apenas graças aos repasses da União e dos Estados. Em 1997 a febre diminuiu porque naquele ano entrou em vigor a Emenda Constitucional nº 15, aprovada no ano anterior, que suspendeu a formação de novos municípios enquanto o Congresso não aprovasse lei complementar regulamentando o dispositivo constitucional sobre desmembramento e emancipação de municípios.

Diante da omissão do Congresso, que ainda persiste, assembléias estaduais tomaram iniciativas das quais brotaram outros 57 municípios, antes que o Supremo Tribunal Federal as desautorizasse, em 2006, e desse ao Legislativo prazo de 18 meses, a se completar em novembro próximo, para votar a referida lei complementar. Agora, um Projeto de Emenda Constitucional pretende restabelecer a prerrogativa dos Estados de criar municípios - e à sua aprovação se prendem as mencionadas propostas para a formação de 806 unidades em 24 Estados. No começo do mês, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou novas normas para a criação de municípios.

Trata-se de uma tentativa de conter um segundo surto de emancipação de distritos. Um novo município teria que ter, no mínimo, entre 5 mil e 10 mil habitantes, conforme a região. A sua arrecadação e o número de imóveis no seu núcleo urbano teriam de estar acima das médias dos 10% dos municípios menos habitados. E o seu eleitorado teria de equivaler a pelo menos 50% da respectiva população. "Não se pode pegar um vilarejo e transformá-lo em cidade", comenta o presidente da Associação Paulista de Municípios. Há quem discorde das restrições. É o caso do presidente da Confederação Nacional dos Municípios, Paulo Ziulkoski. Para ele, aliás, o que se deveria votar com urgência é a legalização dos 57 municípios criados entre 1997 e 2006.

Na realidade, os políticos são os principais interessados em abrir novos espaços institucionais para as suas carreiras - ou, no caso de seus padrinhos, para a ascensão dos apadrinhados. Mais municípios significam redes mais extensas de clientelas e patronagem política. Salvo as clássicas exceções que confirmam a regra, as populações não apenas não se beneficiam da promoção do seus distritos a municípios, como ainda arcam com a gastança. Sem auto-suficiência, a sua criação é uma aventura administrativa que atinge em cheio as demandas locais por prestação dos serviços básicos de saúde e ensino de primeiro grau, setores de alçada essencialmente municipal.

Para os municípios já existentes, mais municípios representam a pulverização dos recursos dos Fundos de Participação que lhes são destinados. Para a União e para os Estados, o gasto continua o mesmo, mas a fragmentação diminui a sua produtividade, em prejuízo daqueles a que se destina. Além disso, a inviabilidade financeira dos lugarejos promovidos a municípios alimenta indiretamente o escambo político que está por trás das emendas parlamentares ao Orçamento federal. Pois daí é que saem, já se sabe como, as verbas para as obras que o município desvalido não tem condição de bancar. A descentralização é benéfica quando permite que as políticas públicas produzam melhores resultados com iguais recursos. Não será este o efeito da proliferação de municípios sem eira nem beira.


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domingo, 14 de setembro de 2008

Opinião no Estadão: Novas vertentes do ''nunca antes''

Pedro Malan

Um amigo bem-humorado comentou de passagem que o presidente Lula havia criticado fortemente todos os responsáveis pela política econômica "deste país" nos 20 anos que se lhe antecederam. No exterior, ocupado com outras coisas, considerei o fato apenas mais uma das incontáveis manifestações do "nunca antes jamais na história", hoje definitivamente incorporado ao anedotário político do País. Nonada.

Mas, aparentemente, o que era uma pessoal marca registrada, patenteada pelo presidente Lula, está assumindo - e não apenas nos palanques - foros de um discurso oficial de uso mais amplamente disseminado. E assumindo novas vertentes. Por exemplo, a ministra-chefe da Casa Civil, a nova "capitã do time", em discurso proferido na bela cerimônia comemorativa dos 40 anos da revista Veja, dez dias atrás, insistiu no fato de que o futuro do Brasil já chegou - e que este futuro começou com o governo Lula. As expressões "só agora", "estamos começando" e "vamos começar" foram recorrentes - num discurso de dez minutos de duração.

É extremamente desejável que discursos políticos estejam voltados para o futuro. Mas o fato é que a capacidade de avaliar - e de responder a - riscos, desafios, incertezas e oportunidades (que o futuro sempre encerra) depende, em boa medida, da qualidade de nosso entendimento sobre os processos pelos quais chegamos ao sempre fugidio momento presente. É nesse sentido que a história é, e sempre será, um infindável diálogo entre passado e futuro. Algo que a litania do "nunca antes" procura, consciente ou inconscientemente, considerar irrelevante ou relegar ao mais simples de seus significados.

A propósito, cabe mencionar a meritória iniciativa do governo de comemorar, nesta última semana, os 200 anos de existência do Ministério da Fazenda (1808-2008) com a realização de um evento em Brasília para o qual foram convidados todos os ex-ministros da pasta ainda vivos. Não para um simples encontro social, mas para que cada um desse um depoimento franco sobre os principais desafios que teve de enfrentar em sua gestão. Algo civilizado. Um reconhecimento de que houve um "antes": épocas em que o passado, hoje conhecido, ainda era um incerto futuro. Uma homenagem aos que aceitaram as responsabilidades do cargo, no qual procuraram servir ao País.

Pois bem, de volta do exterior, apenas no meio da semana tive oportunidade de ver matéria intitulada Lula chama antecessores na economia de criminosos, que reproduz trechos do "discurso" presidencial proferido em Ipojuca (PE) para um público de metalúrgicos. Bem sei que em palanques, com audiências cativas, políticos tendem a se deixar levar por emoções, por arroubos retóricos e pelo calor da hora. Mas o presidente disse, textualmente, que um indivíduo preso porque cometeu um delito "é menos criminoso do que aqueles que foram responsáveis pela política econômica e pela política de desenvolvimento deste país nos últimos 20 anos" (Folha de S.Paulo, 6/9).

Esta é uma nova vertente do "nunca antes". Agora não é apenas o passado em geral que se procura acusar. Agora são pessoas que têm nome e biografia conhecidos que são tachadas de criminosas com insensata ligeireza. Como dizem os cariocas, "menos presidente, menos". Afinal, os "últimos 20 anos" incluem os governos de cinco ex-presidentes e daqueles que lhes serviram - e ao País - como "responsáveis pela execução da política econômica e da política de desenvolvimento". Se considerarmos todos os ex-ministros da Fazenda e do Planejamento (e presidentes do Banco Central), estamos falando de várias dezenas de pessoas. Todos "criminosos", presidente?

Tenho certeza que nosso presidente, no fundo, não acha realmente isso e reconhece que a metáfora talvez tenha sido particularmente infeliz. Afinal, foi o mesmo presidente, em discurso feito em Massaranduba (BA), em março de 2006, que afirmou: "É possível fazer política de forma civilizada." E eu realmente prefiro acreditar no Lula de Massaranduba do que no Lula de Ipojuca. Dúvidas excessivas sobre qual é o verdadeiro Lula, ou percepções de que a resposta é "ambos", poderiam levar alguns a endossar a observação de Ferreira Gullar: "Ele diz qualquer coisa a qualquer hora, depende do público que o assiste e da conveniência do momento."

E chego aqui ao que efetivamente importa, no momento e nos próximos anos. Fica e ficará cada vez mais claro que o contexto internacional mudou desde fins de 2007 e que a economia mundial será menos favorável, mais turbulenta, mais volátil e, certamente, crescerá menos nos próximos dois anos em razão da grave crise de confiança que ora assola o sistema financeiro e os mercados de crédito do mundo desenvolvido.

Não tenhamos dúvidas de que seremos afetados enquanto esta crise estiver seguindo seu curso, que não será de curta duração. Mas, como toda crise, será resolvida um dia - ainda que a um custo não trivial. E também, como toda crise, oferece oportunidades não só a empresas, como a países que não se deixam levar por excessos de complacência e auto-indulgência derivados de vários anos de desempenho favorável.

Mais uma razão para um sereno olhar à frente. Se os ventos que sopram do exterior se tornam menos favoráveis, há que avançar mais - e não menos - na consolidação e ampliação de mudanças estruturais e avanços institucionais e no compromisso firme com políticas macro e microeconômicas consistentes. O Brasil está excepcionalmente bem posicionado para aproveitar as oportunidades que crises como esta, e sua superação, sempre encerram.
Um país que, exatamente porque está com os olhos firmemente postos no futuro, não perde tempo com discussões estéreis, falsos dilemas e insensatas condenações a esforços passados. Sem ajuda dos quais seu sucesso atual e suas promissoras possibilidades futuras simplesmente não existiriam na configuração de hoje.

Pedro Malan, economista, foi ministro da Fazenda no governo FHC


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