sábado, 5 de abril de 2008

Opinião da Folha: Dilma fala

Tom enfático da ministra não disfarça desgaste com episódio do dossiê e necessidade de isenção ao apurar o vazamento

Depois de uma semana de desencontros e desgastes, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, veio a público para apresentar pessoalmente sua visão a respeito do emaranhado caso do dossiê contendo dados sobre despesas do governo FHC.

A necessidade de um pronunciamento oficial sobre o tema fazia-se sentir com especial urgência depois de esta Folha ter publicado, em fac-símile, um trecho das planilhas do dossiê.

Na entrevista, Dilma Rousseff afirmou que o trecho reproduzido pela Folha era diferente daquele entregue pelo jornal à sua assessoria, na véspera da publicação da reportagem. Com isso, deixava implícita uma suspeita de manipulação nas informações apresentadas pela Folha.

Os documentos, entretanto, são idênticos. A única alteração realizada foi rasurar os dados do arquivo que permitissem identificação da fonte da informação. O que mais uma vez se verifica, nessa insinuação, é a incapacidade do atual governo de lidar com seus desacertos -e sua propensão a ver na imprensa não um fundamento da democracia, mas uma fonte de perturbação a ser intimidada e combatida.

Apesar do seu tom rebarbativo e peremptório, as declarações da ministra na verdade revelavam, ao mesmo tempo, uma considerável inflexão de rumos, face à argumentação que o governo vinha adotando até então.

Não mais se insiste, por exemplo, na tese de que a Casa Civil atendia a um pedido do Tribunal de Contas da União quando levantou os dados sobre os gastos do governo anterior. O próprio termo "dossiê", antes rejeitado, viu sua utilização tornar-se "uma questão de conceito" para a ministra, repetindo nesse ponto as elaborações teóricas de seu colega da Justiça, Tarso Genro.

Por fim, Dilma Rousseff declara não "rejeitar nenhuma hipótese" a respeito do vazamento de dados. Nem mesmo a de que a iniciativa tenha partido de algum funcionário da Casa Civil. Trata-se, afinal, de investigar, e, se há suspeita de crime, é o caso de convocar a Polícia Federal, como qualquer pessoa sensata teria feito desde o primeiro momento em que o caso veio à tona.

Ocorre que a atitude automática do petismo é considerar ato de conspiração e lesa-pátria qualquer notícia que o prejudique. A ministra declarou-se estarrecida com o noticiário sobre o caso. Repetiu, ainda uma vez, que está em curso um processo de "escandalização do nada". Ao mesmo tempo, qualifica como "crime" o vazamento do dossiê.

O assunto, de fato, é tão intrincado que permite uma e outra qualificação. A ministra afirma, com razão, que não há escândalo no fato de as compras para a despensa do Alvorada refletirem padrões exigentes de consumo.

Que determinadas compras possam servir para exploração política, não é entretanto segredo para ninguém. Que o governo tivesse interesse em municiar-se contra iniciativas desse gênero, na CPI dos cartões, tampouco é algo que fuja aos procedimentos do jogo político real. Na elaboração e no vazamento desse dossiê é que residem os enigmas e escândalos possíveis.

É isso o que cumpre apurar, sem preconcepções e partidarismos de qualquer espécie. No que depender desta Folha, tal requisito compõe fundamento e razão de sua existência. Não é certo que se possa dizer o mesmo da ministra Dilma Rousseff.
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segunda-feira, 31 de março de 2008

Blog do Noblat: Dilma é mãe duas vezes

Lula, o problema é o seguinte, meu filho: seu primeiro governo foi salpicado de escândalos. Mal começou o segundo e já tem escândalo novo na praça: o do dossiê montado na Casa Civil da presidência da República para chantagear a oposição e impedir que a CPI Mista do Cartão Corporativo cumpra com o seu dever. Assim não dá. Resolve sua crise.

Sem essa de apresentar a ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil, como coitadinha, vítima de “fogo amigo” disparado pelos que se opõem à sua candidatura à sucessão de Lula. Sem essa de que ela possa ter sido traída por seu braço direito no ministério, a secretária-executiva Erenice Guerra, a quem delegou a tarefa de montar um “banco de dados” a respeito de despesas do governo com cartão feitas de 2002 para cá.

Por conta própria, Erenice teria recuado no tempo para acrescentar despesas do segundo governo de Fernando Henrique Cardoso. E produzido um dossiê de 13 páginas com informações pinçadas sob medida para constranger Fernando Henrique e a ex-primeira-dama Ruth Cardoso, intimidar a oposição interessada em investigar as chamadas contas sigilosas do período Lula, e esvaziar a CPI do Cartão.

De fato, Dilma é mãe duas vezes. Do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), conforme escolha de Lula, e do dossiê que lista entre outras coisas a compra de 144 lixas de unha, 30 toucas de banho, 24 sabonetes infantis, bacalhau e vinhos finos, além do aluguel de carros e o valor do salário da ex-chef da cozinha do Palácio da Alvorada, Roberta Sudbrack. Por ora não se sabe quem é o pai do dossiê.

Sabe-se que a primeira pista pública sobre a disposição do governo de se defender atacando foi dada pelo ministro Franklins Martins, da Comunicação Social, no dia 6 de fevereiro último. Ele disse: “Ninguém colocará o governo nas cordas. Vamos abrir o suprimento de fundos desde lá atrás". Foi uma advertência que pode ser traduzida assim: se querem apurar o que fizemos vamos apurar o que se fez no governo passado.

Criado em 1998, o cartão corporativo para uso em serviço de autoridades da administração federal foi implementado pelo decreto 3.892 de agosto de 2001. Antes dele existia um fundo que bancava despesas sigilosas do governo. Foi a esse fundo que se referiu Martins. Somente a partir de 2003 permitiu-se o uso do cartão para saques em dinheiro vivo. A ministra da Igualdade Racial perdeu o emprego por causa de um desses saques.

Os gastos com cartão se multiplicaram desde o primeiro ano do governo Lula. Foram de R$ 8,7 milhões em 2003; R$ 13 milhões em 2004; R$ 20,9 milhões em 2005; R$ 34,6 milhões em 2006; e R$ 78 milhões em 2007. Quer dizer: em cinco anos os gastos com cartões cresceram quase 900%. Dos R$ 78 milhões gastos no ano passado, R$ 58 milhões foram sacados na boca do caixa por cerca de 11.500 funcionários. Uma farra. Que deu em CPI.

Ela, que parecia mortinha, ganhou sobrevida com a história do dossiê. Ainda haverá muito barulho por lá. Mas a folgada maioria de votos da base aliada impedirá a aprovação pela CPI de qualquer requerimento capaz de causar danos mais graves ao governo. Convocação de Dilma para depor? Esqueça. Dilma anunciou que tem mais o que fazer do que perder tempo respondendo a senadores e deputados.

Quem manda o Congresso desfrutar da confiança de apenas 0,5% dos brasileiros, segundo a mais recente pesquisa do Instituto Sensus? Mesmo assim, se quiser, e por maioria simples de votos,o Senado poderá convocar Dilma para depor. Ela deve explicações à beça. Uma delas: por que em 20 de fevereiro passado disse a 30 industriais paulistas que o governo levantava informações sobre gastos com cartão na Era FHC? Outra: por que atribuiu ao Tribunal de Contas da União a paternidade do levantamento? O tribunal negou.

Se necessário Lula sairá em defesa de Dilma, como saiu em defesa de José Dirceu e de Antonio Palocci, abatidos no rastro de outros escândalos. Mas se surgirem novos fatos que a incriminem, tchau e benção para ela, que Lula não é de ir para o inferno com ninguém.
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