sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Banda larga poderá se tornar um serviço público no Brasil

A possibilidade de tornar a transmissão de dados em alta velocidade, conhecida como banda larga, um serviço público, para um melhor controle da qualidade e do atendimento, foi discutida hoje (22) em reunião do Conselho Consultivo da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) com representantes das operadoras de telefonia. O encontro debateu as mudanças propostas pela agência no Plano Geral de Outorgas (PGR).

O presidente da Oi Telemar, Luís Eduardo Falco, criticou a idéia e lembrou que já existe uma previsão para que a banda larga chegue em todas as redes municipais até 2010. “Não vejo nenhuma vantagem no regime público, normalmente ele tende a engessar algumas dinâmicas de mercado que já estão colocadas e já têm data para acontecer”, afirmou. Hoje, a banda larga é regulamentada como um Serviço de Comunicação Multimídia (SCM), ou seja, como serviço privado.

O presidente da Brasil Telecom, Ricardo Knoepfelmacher, lembrou a alta carga tributária do setor de telefonia e disse que é preciso ter cuidado para que isso não aconteça também na banda larga. “Antes que os estados se acostumem com essa nova receita, a gente deveria fazer alguma coisa para impedir que novamente se crie uma situação que depois seja imutável”, alertou. Ele disse que 70% do faturamento da Brasil Telecom ainda é baseado na telefonia fixa e garantiu que as empresas privadas já têm o compromisso de garantir a qualidade do serviço.

A preocupação com os impostos sobre a banda larga também foi manifestada pelo presidente da Telefônica, Antônio Carlos Valente. “Todos nós devemos lutar para que os serviços que estão nascendo não se coloquem no mercado com uma carga tributária desproporcional”, disse.

Para ele, as concessionárias de telefonia cumpriram a maioria dos objetivos previstos com a privatização do setor. “Eu sou da época em que a gente colocava o telefone na declaração do Imposto de Renda”, lembra.

O presidente do Conselho Consultivo da Anatel, Vilson Vedana, que representa a Câmara dos Deputados, disse que a banda larga é o serviço do futuro, desejado pela sociedade. “Qualquer garoto de 17 anos quer ter computador em casa ligado à internet. Telefone é bom, vai ser importantíssimo no futuro, mas talvez dentro do tráfego de dados da rede, ele venha a representar 10%, 5% ou 1%”, afirmou.

Ele lembrou que já existem casos de estados como o Ceará, que resolveu criar sua própria infra-estrutura para levar fibra ótica a todos os municípios do estado. “Vocês deveriam ficar preocupados com isso, porque é a falência do modelo que a Lei Geral de Telecomunicações implantou”, disse aos representantes das operadoras.

Esta semana, a indicada pelo governo para compor o Conselho Diretor da Anatel, Emília Ribeiro, dfendeu que a banda larga passe a ser um serviço público no país. Agência Brasil


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Opinião do Estadão: O circo do pré-sal

O presidente Lula nega que já tenha decidido criar uma nova estatal para administrar a exploração do petróleo do chamado pré-sal, a 7 mil metros de profundidade e a mais de 200 quilômetros da costa. Segundo ele, a questão continua em discussão no governo. É certo, de toda forma, que o setor terá um segundo marco regulatório. O atual, que data de 1997, ficará restrito às reservas que se poderiam chamar de convencionais e para os 11 blocos em águas ultraprofundas já licitados. Nele, a União, por meio da Agência Nacional do Petróleo (ANP), concede a exploração em troca de royalties e participações. O outro modelo previsto é o da partilha de produção, em que o lucro é dividido em partes desiguais entre o Estado e as empresas escolhidas. Lula não se cansa de afirmar que as riquezas do pré-sal servirão para financiar a educação e "acabar definitivamente com a pobreza".

Ou seja, o presidente cujo mandato termina em 2010 já sabe onde gastar os lucros que não sabe de quanto serão, de uma operação de extrema complexidade que ninguém sabe quando começará, nem o que custará, muito menos como será financiada - e se terá o sucesso desejado. Mas o circo do pré-sal já está armado. No dia 2 de setembro, ao que se divulgou, Lula se exibirá ao País com as mãos sujas do óleo do Campo de Jubarte. Pouco importa que se trate de uma extração experimental. O que lhe importa, para fazer de quem queira o seu sucessor, é aparecer e reaparecer como o responsável pela criação de uma riqueza de proporções fenomenais, que, nas suas palavras, "acabará definitivamente com a pobreza" no Brasil. Assombra a desenvoltura com que o presidente se põe a manipular uma questão desse calibre no mais estratégico dos setores - o da energia - em qualquer nação do mundo.

Além disso, e não bastasse a irresponsabilidade de dar como inexorável o advento de uma realidade redentora que durante anos permanecerá confinada à esfera das expectativas, o governo parece absolutamente seguro de que não ficará à míngua de parceiros privados, mesmo com o retrocesso embutido na mudança do marco regulatório. Sem mencionar que Lula poderá, finalmente, decidir pela criação de uma estatal nos moldes da norueguesa Petoro, como controladora dos contratos de exploração do pré-sal e instrumento de gestão da riqueza petrolífera. Na verdade, o Planalto não tem a mais remota idéia de quais serão os efeitos de uma coisa e outra sobre os potenciais investidores estrangeiros e as empresas que têm operado no Brasil, nos últimos anos, em parcerias com a Petrobrás, no bem-sucedido regime de concessões. Esse modelo foi o que tornou possível elevar de 5% para 11% a participação do setor no PIB nacional. A retração é cenário possível - se não provável.

Tanto pior. Se o pré-sal for de fato o que se augura, com os desafios operacionais comensuráveis, o custo de sua exploração excederá a capacidade de o governo comparecer com os recursos próprios requeridos, a menos que ponha todos os ovos no mesmo cesto. A estatal norueguesa Petoro, que seria o modelo para uma eventual Petrosal, começou a operar com recursos substanciais herdados de um fundo de petróleo. Graças a isso, desde sempre teve condições de bancar a sua parte nos empreendimentos com as multinacionais a que se associou. O Planalto poderia emitir títulos lastreados nas riquezas a serem exploradas. Nessa hipótese, porém, os recursos obtidos com a securitização das reservas do pré-sal teriam de ser usados só para financiar a exploração e a produção do petróleo - e o governo, durante longo tempo, não poderia dispor à vontade dos tesouros que espera tirar de profundezas abissalmente maiores do que aquelas em que jaz o petróleo da Noruega.

O dilema simplesmente não existiria se, com eventuais ajustes no modelo em vigor, a Petrobrás assumisse o pré-sal, com a competência conhecida, sob o controle da Agência Nacional do Petróleo. Mas, ao que se informa, Lula não quer aumentar a lucratividade dos acionistas privados da empresa, sob a alegação, entre outras, de serem americanos a maioria deles. Se esse é o problema, nada mais simples, no entanto, do que aumentar a níveis "seguros" - de 40% para 60% - a participação do Estado na estrutura acionária da empresa. Para tanto, basta uma assembléia de acionistas. E o Tesouro continuará a se beneficiar dos ganhos da Petrobrás.


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segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Opinião no Estadão: A Funai e a Federação

Denis Lerrer Rosenfield

As recentes medidas da Funai de identificação e demarcação de terras indígenas na Raposa Serra do Sol, em Roraima, e no sul do Estado de Mato Grosso do Sul recolocam com força problemas de ordem constitucional que vinham sendo relegados a uma posição secundária. O avanço sobre as propriedades privadas estava sendo visto como algo "normal", que não afetaria o ordenamento constitucional, até o momento em que a sua intensidade terminou por colocar também um problema concernente ao próprio pacto federativo.

Aparentemente, os trâmites legais estavam sendo observados. No entanto, a quantidade de decretos presidenciais e ministeriais, portarias de órgãos estatais, resoluções e instruções normativas vinham expondo um Poder Executivo cada vez mais ávido em legislar, como se ele fosse a fonte da própria lei, relegando o Poder Legislativo a uma posição essencialmente subalterna. Nesse sentido, portarias e instruções normativas da Funai, do Incra e do Ibama terminaram conferindo a esses órgãos um imenso poder, sobrepondo-os, inclusive, à Câmara dos Deputados e ao Senado.

Baseada numa profusão de atos administrativos editados por ela mesma e fora de qualquer controle, a Funai, sob o manto da justiça social, deixou transparecer o seu pouco apreço pelo direito de propriedade e, por meio deste, pelo ordenamento constitucional do País. A partir do momento em que ela decide identificar e demarcar partes inteiras de Estados brasileiros, eliminando cidades e desconhecendo os direitos inerentes a uma sociedade livre, como o direito à propriedade, a Funai se coloca numa posição equivalente à do Senado brasileiro. E passa a interferir diretamente na vida político-constitucional de uma entidade federativa, tratando-a como um ente que pode ser simplesmente tutelado.

Atos administrativos constituem uma legislação infralegal, que tem amparo constitucional, especificando para casos particulares a aplicação de leis aprovadas pelo Congresso Nacional. Seu escopo é, por assim dizer, limitado pelas condições de seu uso, não podendo ultrapassar essas suas condições de existência, sob pena de se tornarem propriamente inconstitucionais. Haveria uma usurpação de outras funções e mesmo de Poderes republicanos se viessem a valer como expressão direta de artigos constitucionais ou de leis propriamente ditas. No entanto, é isso que está ocorrendo no Brasil, com atos administrativos que legislam sobre a propriedade e sobre entidades federativas de uma maneira que as inviabiliza. Presidentes e superintendentes de órgãos como Funai, Ibama e Incra agem como se fossem os legisladores deste país.

No caso específico da Funai, relativo aos Estados de Roraima e Mato Grosso do Sul, presenciamos como portarias, resoluções e instruções normativas, amparadas, por sua vez, em decretos, estão redesenhando geograficamente o País, retirando as competências administrativa, jurídica e política desses Estados e as transferindo para a União. Observe-se que a instância republicana que constitucionalmente teria poderes para um reordenamento desse tipo seria o Senado brasileiro, e exclusivamente ele. Ora, o que faz a Funai? Coloca-se na posição do Senado, interferindo diretamente na vida desses Estados, retirando imensas áreas de sua área de competência e de poder. E como o faz? Por meio de atos administrativos, numa multiplicidade de portarias, resoluções e instruções normativas, como se fossem leis equivalentes às do Congresso Nacional.

Atos administrativos da Funai efetuam uma transferência de domínio de áreas estaduais que passariam a ser novamente áreas da União, que, por sua vez, as disponibilizaria para o uso dos índios. É como se a União, depois de recuperar esse domínio, transferisse essas áreas para a posse indígena. Ora, reiteremos, a União não tem o poder de efetuar essa transferência de domínio, sendo o Senado a única instituição que poderia fazê-lo. E isso depois de um longo processo legal, que passa por uma ampla discussão, estando os dados da questão à disposição das partes envolvidas, que fazem valer os seus direitos e exercem o direito ao contraditório em todas as partes do processo. A Funai, porém, age prescindindo de todo esse trâmite constitucional, democrático, como se fosse um verdadeiro Poder Constituinte.

Presidentes e superintendentes de órgãos estatais são cargos de confiança, à disposição do governo de plantão. Os escolhidos para exercer essas funções são removíveis a qualquer momento e sua permanência no cargo depende de ministros e do próprio presidente da República. São pessoas que normalmente nem fazem parte dos quadros dessas instituições, tendo sido nomeados para essas funções por injunções partidárias e ideológicas. No entanto, tudo o que fizerem durante esse período mediante atos administrativos permanece. Eles são transitórios, mas suas obras e medidas, não.

Temos observado, nos últimos anos, que a escolha dos presidentes e dos superintendentes estaduais desses órgãos estatais obedece a critérios propriamente ideológicos, sendo eles oriundos dos ditos movimentos sociais, que funcionam como verdadeiras organizações políticas. Trata-se do MST, da Comissão Pastoral da Terra, do Conselho Indigenista Missionário, entre outros, que adotam posições claramente contrárias ao direito de propriedade, à economia de mercado, ao Estado de Direito e à democracia representativa. Em documentos dessas pastorais, os seus santos não são os da Igreja, como Santo Agostinho ou Santo Tomás de Aquino, mas Che Guevara e Fidel Castro. Livros de cantos e sermões estampam as figuras dos "santos" dessa "nova Igreja", como se estivéssemos diante de uma nova "aliança". Estão imbuídos de uma concepção fortemente contrária ao direito de propriedade e ao próprio pacto federativo, procurando reviver as experiências socialistas radicais malsucedidas do século 20.

Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS.
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