sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Opinião do Estadão: E a faxina prossegue

Mais um ministro está fora do governo em consequência de denúncias de irregularidades no trato da coisa pública. Com a demissão de Pedro Novais da pasta do Turismo, chega a quatro o número de ministros de Estado afastados pelo mesmo motivo em menos de nove meses do governo Dilma. É mais uma demonstração de que a presidente não está disposta a transigir com esse tipo de transgressão. Mas é também, mais uma vez, a prova eloquente do alto nível de contaminação dos escalões superiores da administração pública pelo vírus da deterioração moral. Como nunca antes neste país, a regra - que admite, é claro, honrosas exceções - é tratar a coisa pública como propriedade privada.

Pedro Novais caiu por causa das denúncias publicadas na Folha de S.Paulo de que, por sete anos, quando era deputado, manteve como governanta de seu apartamento a secretária parlamentar Doralice Bento de Souza, que recebia pela Câmara dos Deputados, e de que o motorista particular de sua mulher é um funcionário da Câmara, Adão dos Santos Pereira, irregularmente cedido pelo gabinete do deputado Francisco Escórcio (PMDB-MA), onde nunca trabalhou. Meses atrás, o ex-ministro já havia sido obrigado a prestar esclarecimentos sobre o fato de ter pago a conta de um motel com verba de representação parlamentar.

Até onde se sabe, Pedro Novais não se locupletou com vultosos desvios de verbas públicas; não se beneficiou de robustos superfaturamentos em negócios da administração federal, não se envolveu, enfim, em grandes escândalos com o dinheiro do contribuinte, como aconteceu em episódios nos quais estão implicados ex-colegas de governo. Botar na conta da viúva os salários da governanta e do motorista da mulher, afinal, é um pecadilho insignificante diante, por exemplo, da montagem de um esquema milionário movido a recursos públicos para comprar o apoio de parlamentares, crime pelo qual é acusado o "chefe de quadrilha" - nas palavras do ex-procurador-geral da União Antonio Fernando de Souza - e ex-ministro José Dirceu.

Nessa linha de raciocínio, poderá haver quem diga que não tem nada de mal um presidente da República em fim de mandato distribuir passaportes diplomáticos a parentes próximos, com a dócil colaboração de seu chanceler, ou mesmo, depois de ter passado a faixa à sucessora, aboletar-se em aprazível propriedade da Marinha à beira-mar, para férias à custa dos cofres públicos. Tudo isso, na verdade, é sintomático do processo acelerado de deterioração dos valores morais e éticos na vida pública, fenômeno de que nenhuma nação está livre, mas que no Brasil se tem agravado alarmantemente nos últimos anos, no embalo dos exemplos que vêm de cima.

Não é sem razão, portanto, que os setores mais sensíveis da sociedade brasileira, que não têm compromissos com os interesses político-partidários dominantes, começam a dar sinais de que não vão continuar aceitando passivamente a apropriação do Estado por trambiqueiros profissionais travestidos de políticos. Está na hora de os vigaristas instalados em altos postos da administração pública e nas cercanias do poder começarem a prestar atenção ao que gritaram as dezenas de milhares de pessoas que saíram à rua para protestar contra a corrupção, no 7 de Setembro.

Outra providência saneadora que se impõe com urgência é não apenas punir os malfeitores que são pegos com a boca na botija, mas também identificar e expor aqueles que estão por detrás dos infratores. Os padrinhos, para usar uma expressão cara aos mafiosos. No caso de Pedro Novais, sua indicação para o Ministério foi obra do deputado Henrique Eduardo Alves (RN), líder do PMDB na Câmara, em parceria com outro notório representante do coronelismo político, o senador José Sarney. Alves, que devia se sentir meio dono da pasta do Turismo, só não emplacou também o sucessor de Novais, cujo nome tinha na ponta da língua, porque o Palácio do Planalto se apressou em deixá-lo saber que assim também já era demais. Pé de chinelo, vá lá. Mas alguém com grossa ficha criminal, não. Para o posto foi outro afilhado de Sarney, cuja única credencial para ocupar o Ministério é ser fiel a seu padrinho.

A faxina prossegue, mas assim não há o menor perigo de melhorar.


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Reforma política: Resposta ao deputado Henrique Fontana

José Serra

O relator da proposta de Reforma Política na Câmara dos Deputados, Henrique Fontana (PT/RS), publicou no seu site uma resposta aos comentários que fiz sobre o anteprojeto em discussão na Comissão (veja o texto Reforma política: relator do PT quer trocar o ruim pelo pior). Reproduzo abaixo sua resposta, acrescentando meus comentários (em negrito) a cada um dos itens por ele abordados.

Prezado José Serra,

Li com atenção suas considerações a respeito do anteprojeto de Reforma Política. Tenho acompanhado com satisfação o intenso debate despertado pela proposta, dentro e fora do Congresso Nacional, e recebido inúmeras sugestões de alterações pontuais no anteprojeto. Estou convencido de que, por meio de discussão a mais ampla e qualificada possível, encontraremos os caminhos que aperfeiçoarão a democracia brasileira. Nesse debate, percebo que um dos pontos em comum é a insatisfação com o modelo atual, caracterizado pela crescente dependência do sistema representativo em relação aos recursos dos financiadores privados. Em política, a insatisfação e o desconforto são o primeiro passo para a adesão à mudança.

Devemos lembrar que, se os arranjos institucionais são um conjunto de regras formais e informais que condicionam o comportamento dos atores, estes também são construções decorrentes da vontade humana, podendo, assim, ser modificados. Ademais, as normas não são criadas em condições de isolamento, de plena abstração em relação aos problemas enfrentados por uma sociedade em determinada conjuntura histórica específica. Ao contrário, as instituições que regulam a vida política em determinado momento são a resultante das influências de um conjunto de forças políticas, de classes e grupos de interesse diversos, que apresentaram seus diagnósticos sobre os principais problemas enfrentados pelo sistema político de uma sociedade específica. Não basta, portanto, criticar sem apontar caminhos.

Quem me acompanha na vida pública sabe da minha obsessão por discutir e executar propostas viáveis, planejadas a partir de diagnósticos bem feitos. Lamento lembrar que se algum partido tem no DNA, o espírito da crítica pela crítica, é o PT, que por muito tempo viveu de uma política negativa, fazendo oposição sistemática a todas as ações propostas por outros governos. No caso particular do sistema eleitoral, já expressei diversas vezes minha principal proposta: a adoção do voto distrital uninominal nas eleições municipais já em 2012, como caminho para a futura adoção do voto distrital misto em nível nacional. Escrevi sobre isso no texto Diretas já em 2012.

Passo a comentar as propostas que apresentamos em nosso anteprojeto, dando prioridade aquelas que foram objeto dos seus comentários (registro apenas, para conhecimento dos leitores, que o anteprojeto trata de outros pontos, tais como a iniciativa popular de Leis e Propostas de Emendas à Constituição, a limitação das comissões provisórias dos partidos, o fim das coligações nas eleições proporcionais, as políticas de ação afirmativa de gênero, raça e a regulamentação das formas de escolha dos candidatos que farão parte das listas partidárias preordenadas, por meio do voto secreto dos convencionais ou filiados).

Em primeiro lugar, ao contrário do que foi sugerido, a proposta não entrega aos partidos o controle sobre a distribuição de recursos e, portanto, sobre o sucesso eleitoral dos candidatos. O Fundo de Financiamento das Campanhas Eleitorais estabelece critérios absolutamente transparentes para a distribuição dos recursos entre as campanhas para cada cargo, em cada estado ou município e entre os partidos políticos, a partir de resultados das eleições anteriores. A partir dessas regras, definidas pela legislação, caberá ao Tribunal Superior Eleitoral transferir os recursos do Fundo para os comitês financeiros dos partidos, em contas bancárias específicas para cada campanha. Ademais, estabelecemos que, nas eleições proporcionais, diferentemente do modelo atual, no qual muitos candidatos buscam o voto nominal sem qualquer apoio dos seus partidos, pelo menos 50% dos recursos recebidos para as campanhas de determinado cargo devem ser gastos igualitariamente entre todos os candidatos do partido.

O fato de os critérios para distribuição dos recursos entre os partidos estarem previstos na lei não altera o cerne do meu argumento: a decisão sobre quais candidatos privilegiar, dentro de uma determinada circunscrição, estará inteiramente nas mãos da direção partidária. Será dela a prerrogativa de definir a alocação, entre os candidatos do partido, de metade dos recursos disponíveis pelo Fundo, o que está longe de significar uma competição em igualdade de condições.

Nas regras de distribuição dos recursos do Fundo entre os partidos, contemplamos o critério da igualdade entre todos os partidos com registro no TSE (5%) e entre todas as agremiações que elegeram um representante na Câmara dos Deputados na eleição anterior (15%). Contudo, nem todos os partidos possuem a mesma força relativa na sociedade. Por essa razão, estabelecemos que 80% dos recursos devem ser alocados de forma proporcional aos votos dos partidos na última eleição para a Câmara dos Deputados (aliás, este é o critério usado pela maioria dos países que financiam eleições com recursos públicos). Considerando que o tamanho dos partidos não é decidido por eles mesmos, não nos parece haver forma mais democrática de mensurá-lo do que em função do número de votos que conquistaram em uma eleição nacional. Além disso, como estamos preservando a representação proporcional e assegurando percentual de 20% a ser distribuído segundo critérios igualitários, estamos convencidos de que a regra proposta permitirá que os partidos possam crescer (ou diminuir) de tamanho de acordo com o respaldo que seus projetos e políticas alcançaram na sociedade, inclusive quando estiveram no exercício do poder.

É curioso que esta proposta venha à tona quando seus maiores beneficiários, por terem atualmente as maiores bancadas, sejam o PT e o PMDB, principais partidos da base aliada do governo. O que argumentei no meu texto original é a deficiência desse critério: pela proposta, se após quatro anos um governo (hipotético) se mostrar desastroso e com baixa aprovação popular, ainda assim muito provavelmente terá direito à maior parte dos recursos eleitorais, que serão definidos pelos resultados de uma eleição realizada quatro anos antes! Não basta o fato de que a distribuição do tempo de TV já siga esse critério? A proposta dificulta, e muito, o surgimento de novas forças políticas, ao dar um poder desproporcional, via recursos públicos, ao status quo partidário.

Não nos surpreende que a regra que veda as doações diretas dos financiadores de campanha aos partidos ou candidatos cause algum desconforto àqueles que contam com o apoio dos grandes doadores. Trata-se de um dos pilares do modelo proposto. Os doadores privados que quiserem contribuir com a democracia brasileira poderão fazê-lo de modo republicano e transparente, sem que os representantes tornem-se dependentes dos recursos privados indispensáveis ao êxito eleitoral, em um contexto no qual as campanhas têm apresentado custos sempre crescentes. Ademais, no sistema atual de financiamento, os principais financiadores elaboram, entre quatro paredes, as “listas fechadas” dos candidatos de acordo com suas preferências ideológicas, em detrimento de amplo conjunto de forças políticas e movimentos sociais que, apesar da legitimidade de suas demandas, não obtêm os recursos necessários para alcançarem sua representação no sistema político. Essa desigualdade criada pelo acesso diferenciado aos recursos econômicos manifesta-se nas chances diferenciadas de sucesso eleitoral entre os diversos candidatos em disputa. Analisando a prestação de contas dos candidatos a Deputado Federal, em 2010, constatamos que, entre os 513 eleitos, 369 candidatos foram os que mais gastaram nos seus estados, o que representa 71,93% da Câmara.

Para falar de grandes doadores, seria mais adequado fazer referência à campanha presidencial do PT do ano passado, tendo sido a mais cara dentre todas e a que mais contou com recursos de “grandes doadores”. Um dos aspectos mais instigantes da proposta do deputado é que em vez de propor um financiamento público exclusivo – que é o que o PT diz defender, quando fala sobre o assunto – ele abre uma brecha para que empresas privadas doem ao Fundo, mas conforme critérios que garantem que todo recurso privado destinado às eleições seja canalizado prioritariamente para as campanhas dos maiores partidos – no caso, PMDB e PT.

Quanto aos defeitos do sistema atual, em termos dos custos de campanha e influência do poder econômico, divergimos quanto à solução: defendo a adoção do sistema conhecido entre nós como distrital misto, em que uma parte dos deputados é eleita pelo sistema proporcional e a outra no modelo distrital, majoritário, combinando de forma clara as qualidades de ambos os sistemas. Aí sim teríamos uma aproximação do representante com o eleitor e uma redução real no custo de campanha.

Ademais, os dados disponíveis no sítio do TSE na internet apontam para o crescimento crescente do custo das campanhas eleitorais. Em 2002, os gastos declarados por partidos e candidatos nas campanhas para Deputado Federal alcançaram R$ 189,6 milhões; em 2010, esse valor chegou ao montante de R$ 908,2 milhões, um crescimento de 479% em oito anos. Se continuarmos nesse ritmo exponencial de aumento dos gastos, em poucos anos o sistema político brasileiro será ocupado por apenas dois tipos de candidatos: os muito ricos ou aqueles que abrem mão de suas convicções e propostas para atender aos interesses dos seus financiadores de campanha. Em contrapartida, o financiamento público proporcionará maior igualdade entre os partidos e candidatos e permitirá, ao mesmo tempo, que muitas pessoas que não ingressam na vida pública por falta de recursos possam se sentir estimuladas a participar da disputa em uma campanha eleitoral.

Em articulação com o fortalecimento do debate programático, da democratização da vida partidária, da redução do custo das campanhas e da influência do poder econômico no sistema político, estamos propondo que o maior valor recebido por um partido político em uma determinada eleição constituirá teto naquela disputa. A partir dos valores dos recursos distribuídos entre os partidos pelo TSE, que serão públicos, tanto os atores do sistema político como a população poderão acompanhar os gastos realizados pelos partidos por meio das declarações das despesas efetuadas a cada quinze dias, em sítio específico para este fim organizado pela Justiça Eleitoral. A partir dessas regras, os partidos deverão racionalizar e organizar suas despesas, sabendo que deverão realizar todos gastos das campanhas apenas com os recursos recebidos do Fundo de Financiamento das Campanhas Eleitorais. Em contraste com o modelo atual, que apresenta grande disparidade entre a capacidade de arrecadação dos partidos e candidatos, num sistema baseado no financiamento das campanhas a partir de critérios republicanos, as diferenças relativas entre os partidos serão reduzidas. Ao mesmo tempo, ao racionalizarem seus gastos, os partidos deverão concentrar suas campanhas na elaboração de propostas coletivas, de modo que seus candidatos não desvinculem suas propostas políticas pessoais das ideias partidárias.

O problema com essa linha de argumentação é supor que o financiamento público terá o poder mágico de reduzir os custos de campanha. O anteprojeto do relator prevê um sistema eleitoral que preservará todas as características que levam aos altos custos atuais: os candidatos continuarão a ter de percorrer seu Estado (ou sua cidade, nas eleições municipais) inteiro(a) em busca de votos, e seguirão competindo ferrenhamente com centenas de rivais, incluindo seus próprios colegas de partido. Resultado: ou o Governo será pressionado a elevar o financiamento público a níveis estratosféricos, desviando recursos públicos preciosos de áreas como educação e saúde; ou, na prática, se estará institucionalizando o caixa dois. Mas o caixa dois aumentaria de qualquer modo se viesse a prevalecer o sistema eleitoral proposto pelo relator Fontana.

Também estamos propondo, de forma coerente com as regras do financiamento público, um sistema eleitoral que, por intermédio da valorização das campanhas coletivas e programáticas, tenderá a reduzir drasticamente os seus custos. Ao mesmo tempo em que preserva os benefícios proporcionados pela lista partidária preordenada, o sistema proposto não retira do eleitor a possibilidade de interferir no ordenamento da lista, alterando a posição do candidato de sua preferência. Ademais, outra novidade decorrente da introdução do voto duplo nas eleições proporcionais é que o eleitor deverá considerar o seu voto de uma perspectiva partidária. Como os dois votos serão computados no cálculo dos quocientes eleitoral e partidário, os partidos serão estimulados a defender suas propostas e ideias inclusive nas eleições proporcionais, que hoje se caracterizam pelo excessivo personalismo e ausência de espaço para o debate das propostas políticas que serão defendidas no Parlamento.

Ao mesmo tempo, como o eleitor poderá votar em candidatos de partidos diferentes, os partidos deverão ser muito criteriosos tanto na seleção dos candidatos, no posicionamento a eles conferido na lista partidária preordenada e na apresentação de suas propostas políticas, pois o leque das opções à disposição do eleitor não ficará comprometido pela vinculação a priori entre os dois votos (a propósito da desvinculação entre os dois votos, vale lembrar que esta é permitida também na Alemanha, por exemplo, onde o eleitor pode votar em um partido, no voto na lista preordenada, e em candidato de partido diferente, no distrito). Para que possamos ampliar a compreensão dessa sistemática pelo conjunto do eleitorado, o anteprojeto estabelece que o TSE, em seus comunicados nos meios de comunicação, deverá promover campanhas de esclarecimento da população a respeito das regras da representação proporcional adotadas no país. Ademais, reafirmamos o nosso compromisso com a representação proporcional, o direito de voz e de representação às minorias e com a preservação do voto de opinião, comprometidos quando utilizamos o sistema majoritário.

Infelizmente, é difícil imaginar como as campanhas se tornarão “coletivas e programáticas” se o eleitor vai continuar a ter de escolher entre milhares de candidatos disputando entre si os votos de todo um Estado ou município, como ocorre hoje. Aliás, o personalismo das campanhas pode até aumentar: isso porque os partidos que têm poucos votos de legenda tentarão compensar essa deficiência apresentando candidatos de apelo popularesco, como celebridades e excêntricos.

Não há comparação possível com o sistema alemão. Na Alemanha, o eleitor possui dois votos, mas com critérios distintos: um voto elege o representante do seu distrito, por critério majoritário (como se fosse uma eleição para prefeito: cada partido apresenta um candidato, e o mais votado é eleito). O outro voto é na legenda de um partido, e será ocupado conforme ordenação da lista partidária. Nesse modelo sim as campanhas são muitíssimo mais baratas, pois os candidatos pelo critério majoritário fazem campanha apenas no seu distrito, disputando com meia dúzia de concorrentes – e não milhares pelo Estado todo, como no modelo proporcional atual, mantido na proposta do relator.

Em síntese, o fortalecimento dos partidos, a drástica redução da influência do poder econômico nas campanhas eleitorais e a manutenção das virtudes da representação proporcional constituem os pilares do sistema proposto ao país. Aos que pensam de forma diferente, peço que apresentem, de forma coerente e articulada, soluções para os problemas inadiáveis que deveremos enfrentar.

A primeira pergunta a fazer, no caso de mudanças no sistema eleitoral, é qual o seu objetivo. Entendo que uma reforma política deva atender a três demandas principais: democratizar a política, tornar as eleições mais baratas e aproximar o eleitor do seu representante.

O sistema proporcional existente hoje no Brasil eleva demais o custo das campanhas, fortalece o individualismo e distancia representante e representado – poucos se lembram a quem deram o voto, para vereador ou deputado.O  anteprojeto só pioraria esse estado de coisas, tornando  o processo ainda mais confuso. Querem confusão maior do que um eleitor votar num partido e, ao mesmo tempo, num nome de outro partido?

Estou convicto, há muito tempo, de que o voto distrital seria o melhor remédio para os problemas do nosso sistema. Com ele os deputados disputariam votos numa circunscrição bem menor do que a atual, o que baratearia a eleição. Em cada distrito, cada partido só teria um candidato, o que reforçaria a identidade das legendas; e os eleitores saberiam sempre o nome do “seu” parlamentar, mesmo que não tivessem dado seu voto a ele, o que garantiria um nível de pressão popular e cobrança muito maior sobre o Congresso Nacional.

Como a introdução do voto distrital significaria uma grande mudança de cultura política, tenho proposto uma adoção gradual, começando pelas eleições para vereador nos municípios com mais de 200 mil eleitores (aqueles em que há segundo turno nas eleições para prefeito). Por se tratar de uma eleição local, nelas poderia ser adotado o voto distrital puro: elas seriam divididas em tantos distritos eleitorais quantos forem os vereadores a serem eleitos; em cada distrito, o candidato mais votado é eleito. É um modelo simples, transparente e muito menos custoso.


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quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Resistam! O PT mobiliza seus estafetas para atacar o voto distrital. Agora eles dizem que é coisa “da direita”, do bicho-papão! Não! É coisa de gente direita!

A campanha em favor do voto distrital mal começou. Conseguiram-se, até o momento em que escrevo, 74.512 assinaturas. O objetivo é chegar a 100 mil. Quanto antes se conseguisse implementar a mudança, melhor, mas não há uma data-limite, depois da qual ou se tem a vitória, ou, então, se desiste. Esta é uma batalha longa, de fôlego. Mesmo no começo, a idéia já mobiliza adversários poderosos, como vocês verão. Aí ao lado, há o link para a página “Eu Voto Distrital”. A qualidade de quem tenta impedir até mesmo o debate revela muita coisa.

Em Dois Córregos, a gente diz do falso sonso: “Esse, de tonto, só tem o andado”. Não diria o mesmo do “sociólogo” Marcos Coimbra, dono do Instituto Vox Populi, que foi tirado da quase falência pelo PT. Nunca o vi caminhar porque não freqüentamos os mesmos ambientes. Mas se pode afirmar com certeza: de tonto, ele só tem a cara. Esse sujeito emergiu no cenário político como filho do diplomata Marcos Antonio de Salvo Coimbra, que foi secretário-geral da Presidência do governo de Fernando Collor, de quem era cunhado. Embora devam ter quase a mesma idade, o filhote de Coimbrão era, assim, uma espécie de sobrinho postiço do presidente impichado. Foi ali que ele despontou para o estrelato.

O “sociólogo” é um homem de muitas convicções, todas sempre bem-remuneradas. Na esfera federal, por exemplo, ele é petista. Em Minas, ele é tucano. E está aberto a propostas nas demais 26 unidades da federação. Não é que ele resolveu sair atirando contra o voto distrital? A exemplo do que fazem muitos vigaristas intelectuais quando não têm argumentos, optou por botar uma pecha no sistema: “É coisa da direita”. Até outro dia, isso bastava para silenciar o debate. Aos poucos, muita gente vai percebendo o truque porque começou a se dar conta de quem estava acusando. “Se há tantos canalhas contra a direita, então ela não deve ser tão má assim”, já começam a desconfiar alguns. É, vai ver não é… “Se há tantos ladrões atacando a direita, vai ver ela não é tão má assim”. É, vai ver não é…

Digamos que por “direita” se tome o conceito boçal, sendo comum na esquerda: reúne conservadores, que repudiam as mudanças e preferem um sistema que exclua o povo das decisões. Muito bem! Coimbra cometeu um artigo contra o voto distrital. O primeiro parágrafo é este (em vermelho):

Com impressionante velocidade, a direita brasileira se descobriu favorável ao voto distrital (desde criancinha). Sem que exista qualquer motivo lógico que explique o porquê, políticos, intelectuais, empresários e jornalistas conservadores se encantaram com ele e começaram, em coro, a defendê-lo. Ao mesmo tempo, passaram a espinafrar o voto proporcional, que faz parte das regras de nosso sistema político desde o Código Eleitoral de 1932.
Huuummm… É mentira! Discute-se o voto distrital no Brasil desde a Constituinte de 1988. Quando se fez o plebiscito do Parlamentarismo, a suposição era a de que se implantaria, quando menos, o modelo misto. O debate é antigo e contava e conta com a simpatia de muitos políticos mais à esquerda no espectro ideológico. Eu não acredito, com sólidos motivos (já falo a respeito), nem nas pesquisas de Coimbra e não teria razão para acreditar na sua memória, não é mesmo? Quer dizer que o “sobrinho” do Collor agora virou um “progressista”, um “esquerdista”, “desde criancinha”? Para um neomudancista e antidireitista, Coimbra argumenta com a elegância de um ganso se fingindo de cisne: se o voto proporcional está aí desde 1932, então deve ser uma coisa boa, é isso? Os eventos recentes da política brasileira e o modo como se forma a maioria no Congresso falam por si mesmos, certo? Mas sigamos com ele.

Em nenhum lugar do mundo havíamos visto coisa parecida. A argumentação em favor do voto distrital nunca teve cor ideológica, nunca foi bandeira da direita (ou da esquerda).
Seria só uma bobagem não estivesse ele cumprindo uma tarefa. Digamos que o debate sobre o voto distrital estivesse mesmo sendo levado adiante “pela direita”. Coimbra, que o combate, fala, então, em nome de quem ou do quê? De resto, fosse mesmo coisa da direita, o que é mentira, ela não teria o direito de se expressar? O que vem em seguida é sofrível, mas merece ser exposto para que se tenha noção da qualidade de alguns dos adversários do voto distrital.

A discussão sobre suas vantagens e desvantagens sempre permaneceu no plano técnico. Quem tem um mínimo de informação sobre o assunto sabe que não há sistema eleitoral integralmente bom ou ruim. Todos têm aspectos positivos e negativos. Sabe, também, que faz pouco sentido falar em voto distrital no abstrato, assim como de voto proporcional puro. Cada país tem seu sistema, com coloração e particularidades únicas. Há tantos sistemas de voto distrital (e de voto proporcional) quantos países que o adotam.
Outra mentira grotesca. Ninguém defende o voto distrital como a cura de TODOS os males. Ele é uma resposta para ALGUNS dos males da política, notadamente o descolamento entre representantes e representados e a transformação do Parlamento num ajuntamento de celebridades, de sem-votos e de porta-vozes de corporações. Aos poucos, o Congresso brasileiro deixa de encarnar a vontade das pessoas para defender segmentos organizados. O cidadão só vale alguma coisa se estiver ligado a um grupo de pressão. Mais: cairia brutalmente o custo das campanhas eleitorais. É evidente que todos os sistemas têm defeitos — eu mesmo já apontei aqui alguns do voto distrital. A questão é saber qual reúne mais qualidades e qual poderia aproximar mais eleitores e eleitos. Coimbra não gosta disso. Acha coisa “de direita”.

Existem democracias plenamente funcionais e bem-sucedidas com voto distrital, e (muitas) outras com as diversas formas possíveis de voto proporcional. Aliás, em termos puramente quantitativos, a maioria dos países democráticos do mundo tem algum tipo de voto proporcional.
É só a embromação da obviedade. Como eu provo? Invertam o que ele disse, e dá na mesma: “A maioria dos países democráticos do mundo tem algum tipo de voto distrital”. Tem? Claro que sim! Qualquer república federativa, cujo Parlamento é formado por representantes das partes que a compõem, adota uma forma de distritalismo, ainda que, dentro dessas unidades, o voto seja proporcional. Passaram a tarefa ao Coimbrinha, e ele esqueceu de estudar o ponto. Deve ter sido um mau aluno, do tipo preguiçoso. Escolheu o caminho mais fácil: “É coisa da direita”. Huuummm… E a reforma política do PT, que Coimbra deve defender, é coisa de Dirceu! Aliás, este pode ser um confronto interessante: pedir aos brasileiros que escolham a direita ou o Zé Dirceu. Mais um pouco do “sobrinho” do impeachment.

É compreensível que a campanha que a direita brasileira está fazendo em favor do voto distrital não apresente os ponderáveis argumentos que existem contra ele. Seus responsáveis têm todo o direito de subtrair da opinião pública o que é contrário a suas preferências. Afinal, na guerra ideológica, o que menos importa são os fatos. Não é o mesmo que se pode dizer de quem, na mídia, deveria se ocupar do jornalismo. Chega a ser lamentável que veículos de informação assumam função de pura desinformação.
Eu, por exemplo, já apresentei os “ponderáveis argumentos” críticos ao voto distrital. Por que Coimbra não faz o que ele próprio recomenda e apresenta os “ponderáveis argumentos” críticos ao voto proporcional? Como estafeta do petismo, Coimbra também critica “a mídia”, acusando um inexistente engajamento em favor do voto distrital. Isso é patrulha de encomenda. É para mobilizar as franjas do petismo nas redações. O partido lhe passou uma tarefa. Vou pular um trecho do artigo que nada quer dizer. Vamos ao parágrafo em que aparece o patrão.

(…)
A direita brasileira, através de seus núcleos de pensamento estratégico e intelectuais, quer fazer com que o país acredite que o PT e, por extensão, o governo (ou o que ela chama de “lulopetismo”) são a favor do sistema de representação proporcional porque assim se perpetuariam no poder. Quer, portanto, que “as pessoas de bem” se tornem defensoras do voto distrital, assegurando-as de que só com ele é possível simplificar as eleições, aumentar a responsabilidade do eleito, a vigilância do eleitor, acabar com a corrupção.

Ele quis escrever “assegurando-lhes”. O “assegurando-as” é coisa de analfabeto ilustrado. Sabem como é a convivência… Lula está pensando em convocar manifestações da UNE, da CUT e dos “movimentos sociais” em favor da proposta de reforma política do PT, que defende uma espécie de radicalização do voto proporcional, num modelo ainda mais perverso do que o de agora. Não pára por aí: quer também assaltar o nosso bolso com o financiamento público das campanhas, que passaria a conviver com o privado, num modelo misto. O dinheiro seria distribuído, claro!, seguindo o tamanho que os partidos tem hoje. Seria isso um esforço para perpetuar o PT no poder?

Olhem quem está falando
Coimbra? Os adversários que o voto distrital está arrumando depõem em favor da sua qualidade. Três dias antes da disputa do primeiro turno das eleições presidenciais de 2010, o “sociólogo”, com toda a sua ciência, afirmou que Dilma Rousseff venceria no primeiro turno com 12 pontos de vantagem sobre a soma dos votos dos adversários. Ela ficou com 46,91% dos votos — um errinho de mais de 15 pontos percentuais!

Dado esse desempenho, outro qualquer mudaria de profissão ou se esconderia debaixo da cama. Mas Coimbra não é pago para acertar. Há certas profissões em que errar rende muito mais. Mas saibam os senhores que Coimbra não tem um defeito: ele não é de direita! De jeito nenhum! Que alívio!

Agora você já sabe: Coimbra é contra! Assim, para acessar a página “Eu Voto Distrital”, clique aqui.

Por Reinaldo Azevedo


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quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Isso é o PT governando: De 2002 a 2011, desvios de dinheiro público na Saúde somaram R$ 2,3 bilhões

Nos últimos nove anos, o governo federal - que tem defendido novas fontes de financiamento para a Saúde - contabilizou um orçamento paralelo de R$ 2,3 bilhões que deveriam curar e prevenir doenças, mas escorreram pelo ralo da corrupção. Esse é o montante de dinheiro desviado da Saúde, segundo constatação de Tomadas de Contas Especiais (TCEs) encaminhadas ao Tribunal de Contas da União (TCU), entre janeiro de 2002 e 30 de junho de 2011. A Saúde responde sozinha por um terço (32,38%) dos recursos federais que se perderam no caminho, considerando 24 ministérios e a Presidência. Ao todo, a União perdeu R$ 6,89 bilhões em desvios.

São números expressivos, mas refletem tão somente as 3.205 fraudes ou outras irregularidades identificadas pelo Ministério da Saúde ou pela Controladoria Geral da União (CGU). Para o Ministério Público Federal (MPF), recuperar esse dinheiro é tarefa difícil. Mais dramática é a persecução criminal de quem embolsa o dinheiro. Na maioria dos casos, são prefeitos, secretários de Saúde ou donos de clínicas e hospitais que prestam serviços ao Sistema Único de Saúde (SUS).

A procuradora Eliana Torelly, da Procuradoria Regional da República da 1ª Região, avalia que é difícil punir porque os processos, tanto administrativos quanto judiciais, demoram a encerrar. Em 2004, o Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus) levantou um mar de desvios em Paço do Lumiar (MA), município de cem mil habitantes na Região Metropolitana de São Luís (MA). O processo aponta saques milionários da conta da Saúde, entre 2001 e 2003, que jamais se reverteram em ações à população. Só em 2010, o processo administrativo chegou ao TCU. Em valores corrigidos em 2010, a fraude soma R$ 27.927.295,70. “A probabilidade de recuperar o dinheiro é muito baixa - diz Eliana.”

No Piauí, má aplicação de R$ 258 milhões

Apenas entre janeiro e junho de 2011, a União encaminhou ao TCU o resultado de 193 processos, que totalizam um passivo de R$ 562,3 milhões. A expressiva maioria é de casos antigos. Na lista, há cobranças até de 1991, como uma tomada de contas que aponta o governo do Piauí como responsável pela má aplicação de R$ 258,5 milhões, em valores corrigidos.

Especialista em financiamento da Saúde, o pediatra Gilson Carvalho diz que o dinheiro escorre pela falta de protocolos e rotinas, falta de informatização do controle financeiro, de pessoal e de transporte de pacientes. E lembra que os empresários da Saúde são parte do processo de corrupção: ”Não existe corrupção que não tenha participação do privado.”

A presidente da União Nacional dos Auditores do SUS, Solimar da Silva Mendes, diz que a estrutura de controle do dinheiro do SUS é mínima em comparação com o volume de recursos auditado. Ela contabiliza cerca de 500 auditores na ativa, sendo que a metade está em idade de aposentadoria. Calcula que são necessários outros mil servidores: ”Paramos de atender pedidos do MP. Agora, só fazemos levantamentos a pedido da presidente Dilma Rousseff, como levantamento de mamógrafos”.

Em nota, o Ministério da Saúde afirma que, desde 2002, o orçamento federal da Saúde soma R$ 491,1 bilhões. “Deste modo, o valor apontado corresponde a 0,045% deste montante. Todas estas medidas administrativas foram solicitadas pelo próprio ministério aos órgãos de controle, tanto interno quanto externo”. Ele cita ainda realização de 692 auditorias, economia de R$ 600 milhões na compra de medicamentos e aperto no controle dos repasses a estados e municípios.

Mostrando a demora nas ações de controle do dinheiro aplicado na Saúde, só este ano o TCU decidiu sobre casos envolvendo irregularidades descobertas pela Operação Sanguessuga, iniciada em 2006 pela Polícia Federal. Pelo menos dez decisões do TCU este ano são sobre Tomadas de Contas Especiais que tratam de desvios em convênios com prefeituras de todo o país, como São João do Meriti (RJ), Cromínia (GO), Campinápolis (MT) e Ponta Porã (MS). Entre as irregularidades, superfaturamento na aquisição de ambulâncias, ausência de pesquisa de preços em licitações e erros em notas fiscais. Muitos dos casos envolveram ainda contratos em que “a empresa fornecedora do veículo adquirido consta da lista de firmas participantes do esquema de fraudes em licitações identificado na ‘Operação Sanguessuga’. É o caso, por exemplo, de contratos das prefeituras de Sousa (PB) e Alegre (ES) com a empresa Santa Maria, e da prefeitura de Pesqueira (PE) com a Planam. O Globo


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#EuVotoDistrital - Divulgue essa ideia!

Manifesto pelo Voto Distrital

A essência de um regime de liberdades públicas está na representação popular. Numa democracia, os Três Poderes da República nascem da manifesta vontade do povo, mas é o Legislativo que simboliza a efetiva participação dos cidadãos nos destinos da nação. É o Congresso que, quando independente e ciente de suas responsabilidades, colabora para o fortalecimento das instituições democráticas.

Só as democracias podem exercer a devida autocrítica, aprimorando seus mecanismos de representação, buscando mais eficiência nos sistemas de tomada de decisão, deixando florescer os espaços para o contraditório, para o debate, para as ideias, para a pluralidade e para a diversidade. O Congresso brasileiro tem prestado relevantes serviços à sociedade, mas precisa buscar o aprimoramento da representação, de modo que espelhe com maior fidelidade a vontade do povo.

Sair às ruas e conversar com as pessoas é sentir a indignação pulsando contra uma política que já não representa como deveria, da qual pouquíssimos ousam se orgulhar. Política que sistematicamente vem legando ao segundo plano o compromisso com a legitimidade do sistema democrático. Política que, simplesmente, deixou de prestar contas de suas ações e distanciou-se da sociedade, definitivamente. O Poder Legislativo tem hoje como referência muito mais o governo do que os eleitores.

O atual modelo de representação, baseado na proporcionalidade, teve seus méritos e contribuiu para o progresso do país, mas se tornou, infelizmente, fonte de graves problemas para o próprio Poder Legislativo, contribuindo para o descrédito da instituição. Não podemos manter um sistema de representação que acaba conduzindo à Câmara dos Deputados parlamentares ignorados ou repudiados pelos próprios eleitores, que obtêm assento no Poder Legislativo com a ajuda de “puxadores de votos”, pinçados, muitas vezes, no mundo das celebridades. O voto distrital, ademais, baratearia enormemente o custo das campanhas eleitorais, processo que, por si mesmo, contribuiria para diminuir o financiamento ilegal de candidaturas.

Defendemos o voto distrital. Acreditamos que o eleitor tem de manter vivo na memória o seu voto, o que certamente acontecerá quando um parlamentar representar o seu “distrito”. Esse voto, condicionado também pela geografia, traz o benefício adicional de evitar que a Câmara dos Deputados se limite a uma Casa de representação de lobbies. O Congresso não pode ser uma reunião de meras corporações a serviço de interesses setoriais. Justamente porque queremos um eleitor mais próximo do eleito de seu distrito, repudiamos ainda o chamado “voto em lista fechada”, proposta que fortaleceria unicamente as burocracias partidárias, permitindo a eleição de parlamentares sem rosto.

O voto distrital, ao dar poder ao eleitor para fiscalizar e cobrar o desempenho de seus representantes, contribuirá para melhorar o Poder Legislativo, o que elevará a qualidade da nossa democracia. Abracemos essa ideia e façamos chegar a nossa vontade ao Poder Legislativo, que, em boa hora, mostra-se disposto a fazer a reforma política.

Que os deputados, tornados quase anônimos logo depois das eleições, assumam um rosto: o rosto do povo brasileiro!


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terça-feira, 13 de setembro de 2011

Ladrões de dinheiro; ladrões de instituições. Ou: Governabilidade não é sinônimo de lambança

O “rouba, mas faz” não é coisa nova na política brasileira. É evidente que a síntese perversa já dava conta da nossa desdita. A conjunção adversativa “mas” indicava que, embora o “roubar” estivesse sendo incorporado aos hábitos e costumes da vida pública — o que é um desastre, é evidente —, estava em oposição ao “fazer”, que era a coisa desejável e a razão por que se elegiam os políticos. Permanecia, ao menos, nas consciências o conceito de que “fazer” era o certo, e “roubar”, o errado. Postos em relação transitiva, no entanto, a fórmula era uma condenação: a condição do “fazer” era o “roubar”, sem o segundo, entendia-se, não se podia realizar o primeiro. Que país poderia ser construído tendo tal emblema como norte? Este que vemos, em que um ministro da Educação se jacta de a nota média do Enem ter melhorado ridículos 10 pontos, embora a esmagadora maioria das escolas públicas tenha ficado abaixo de uma média que já é retrato de um vexame.

Havia quem se opusesse radicalmente àquele estado de coisas? Sim, as esquerdas, ambicionavam substituir o modelo cleptocrata de exclusão social por sua teoria homicida da história. Nunca foi grande ou forte o bastante para se impor, e por isso devemos ser gratos, é certo. A redemocratização do país e a emergência do novo sindicalismo, no curso do tempo, acabaram por guindar o PT e seu chefe máximo, Luiz Inácio Lula da Silva — que, originalmente, de esquerdista não tinha nem a sabedoria nem a ignorância específicas —, ao comando das chamadas “forças populares”. Os petistas passaram a operar em duas frentes (e há teoria política a respeito; não foi puro empirismo): nos chamados movimentos de base e no terreno institucional, onde criou um bordão: “Ética na política”.

Aéticas ou antiéticas eram todas as forças que disputavam o poder, menos uma, que se apresentava como dotada de uma razão crítica que carregava consigo a voz e a história dos oprimidos de todos os tempos. O mundo já havia conhecido, segundo a categorização marxista, o “socialismo utópico” e o “socialismo científico”. O PT fundava o “socialismo da reparação”. Em Marx, o socialismo era uma desdobramento natural da história (é uma loucura, é evidente, mas é outra); no discurso petista, tornava-se uma questão de justiça. Se o velho barbudo furunculoso fosse vivo, daria uma botinada no traseiro desses mistificadores. Mas quê… O PT se tornou não o ópio, que isso é coisa para humor refinado francês, mas a cachaça dos intelectuais. Marilena Chaui não conseguiu ensinar uma vírgula de filosofia aos sindicalistas, mas os sindicalistas ensinaram a Marilena Chaui como tratar a USP como um mero aparelho partidário.

O PT chegou ao poder. É esquerdista? Depende do que se quer perguntar. O partido certamente não pretende estatizar os meios de produção. Mas traz, sim, consigo aquela velha moral bolchevique, somada à amoralidade pragmática que marca o sindicalismo, que se caracteriza por justificar qualquer crime em nome da causa. “O rouba, mas faz” envelheceu; os remanescentes daquele modelo já estão se despedindo da política. Na nova ordem, desaparece a conjunção adversativa “mas” e a idéia de que, ao menos, há uma oposição entre uma coisa e outra; que mal e bem estão imbricados ou enlaçados numa relação de causa e efeito. Era, reitero, uma noção perversa e que nos condenava ao atraso, mas, se querem saber, menos maléfica do que isso que se vê hoje em dia: o roubo passou a ser considerado uma espécie de pilar da democracia, de elemento constitutivo do processo. Em seu nome, constroem-se teorias políticas.

Uma palavra passou a sintetizar essa nova altitude que ganhou a safadeza: “governabilidade”. Em nome dela, tudo passa a ser justificável. O imoral, o indecente e o indecoroso já não são mais o tributo maldito a pagar para ver a obra nascer; eles são tratados como esteios da institucionalidade. Dá-se de barato que é preciso ceder a larápios, a chantagistas, a vigaristas para que o sistema não entre em colapso. Um jornalista brasileiro, durante o confronto democrático que opôs republicanos e democratas nos EUA por causa da ampliação do limite da dívida, ofereceu aos americanos o nosso modelo: faltaria, ele escreveu, um PMDB a Obama!!!

Na entrevista que concedeu ao Fantástico — aquela em que pediu a Patrícia Poeta lhe mostrasse onde estava o “dá cá” que ela explicaria o “toma lá” —, Dilma Rousseff expressou essa noção com a maior tranqüilidade, como quem dissesse: “Hoje é quinta-feira”. Afirmou a presidente: “Eu não dei nada pra ninguém que eu não quisesse; nós montamos um governo de composição. Caso ele não seja um governo de composição, nós não conseguimos governar”.

Aí está! A pergunta de Patrícia Poeta se referia ao “toma-lá-dá-cá”, que Dilma se dispôs a explicar — é falso que ela tenha negado a sua existência. “Não conseguir governar” significa o quê? Que as práticas condenáveis seriam hoje pilares das próprias instituições. Minhas caras e meus caros, é evidente que isso é pior do que o “rouba, mas faz” porque significa a metabolização da lambança como nutriente mesmo da democracia. E eu sou obrigado a dizer com todas as letras: “Isso é falso!”.

Estamos diante de uma apropriação perversa — que não é feita só por Dilma, não!; está no sistema — do conceito de “presidencialismo de coalizão”. Uma coisa é constatar que, no modelo brasileiro, um partido dificilmente terá força para governar sozinho — o que não quer dizer que não possa hegemonizar o processo, como faz o PT —; outra, distinta, é atribuir a essa necessidade de composição as concessões indecorosas que são feitas. Indago: qual é a hipótese? Os partidos que hoje compõem a base aliada, incluindo o PT, se despediriam dos cargos e das benesses oferecidas pela máquina caso se decidisse moralizar a política pra valer? ISSO É SIMPLESMENTE MENTIROSO. O problema é outro: aqueles que vêm a lambança como parte do jogo não são meros teóricos do ilícito; são também beneficiários e usuários das práticas condenáveis.

Sim, eis uma contribuição genuinamente petista para o processo político brasileiro: a imoralidade como parte da estabilidade das instituições — instituições também elas aviltadas. Sei que pouca gente dará bola à questão porque os políticos, os pensadores e boa parte da imprensa estão entorpecidos, mas a ministra Gleisi Hoffmann disse ontem uma coisa muito grave naquele seminário com título pseudo do TCU. Chamou o RDC, o regime especial para contratar obras para a Copa do Mundo, de “lei alternativa” à Lei de Licitações. Regime democrático com “lei alternativa”? Definitivamente, nunca antes na história destepaiz.

Esse país não sai do lugar, não! Esse país é o do Enem que encheu de satisfação o ministro Fernando Haddad. O bom Brasil é outro. É o da juíza Louise Vilela Figueiras Borer, que mandou parar as obras sem licitação do Aeroporto de Cumbica. Não aceitou as justificativas para que se desse um peteleco na lei: urgência e Copa do Mundo. Ora, Dilma foi a gerentona de um outro “governo de composição”, o de Luiz Inácio Lula da Silva. Ambos, então, como ela reconheceu no 4º Congresso do PT, prepararam, a quatro mãos, a trágica herança na infra-estrutura: portos, aeroportos, estradas… E o PT vem coroar, agora, a sua obra jogando no lixo a Lei de Licitações e propondo, como diria Gleisi, “leis alternativas”?

Esse roubo consegue ser pior do que o outro: é um roubo de institucionalidade.

Por Reinaldo Azevedo
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segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Opinião do Estadão: Regime para a Copa na Justiça

A iniciativa do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, de recorrer, na sexta-feira, ao Supremo Tribunal Federal contra dispositivos a seu ver inconstitucionais do Regime Diferenciado de Contratação (RDC) - que criou um sistema especial de licitações para as obras relacionadas com a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016 -, é coerente com as preocupações que vinha externando no âmbito do Ministério Público Federal. Ele teme que, em comparação com a Lei 8.666, que rege as concorrências públicas no País, o novo modelo propicie mais oportunidades para atos lesivos ao erário - bandalheiras, na linguagem popular.

De autoria do governo, o projeto do RDC, concebido para acelerar os empreendimentos tidos como necessários àqueles eventos esportivos de ressonância mundial, foi aprovado pelo Congresso em julho último e sancionado no mês seguinte pela presidente Dilma Rousseff. Imediatamente, o bloco de oposição, integrado pelo PSDB, DEM e PPS, pediu ao Supremo a derrogação da lei, sob o argumento de que ela reduz a transparência das contas do Executivo e pode facilitar a corrupção. Os receios não são infundados, mas tampouco se pode negar que, depois de a Câmara dos Deputados ter aperfeiçoado a proposta original, se fortaleceram as posições favoráveis ao regime especial.

O principal alvo das críticas é a passagem que obriga o poder licitante a manter em sigilo o valor que presume adequado para cada obra. Na Lei de Licitações, a estimativa é sempre pública. Em meados do ano, quando as atenções se voltaram para o projeto - tardiamente, aliás, por ter chegado ao Congresso em 2009 -, advertiu-se que o sigilo dos orçamentos parecia se estender até aos órgãos oficiais de controle, a começar do Tribunal de Contas da União (TCU). Na tramitação da matéria, esse risco foi eliminado. E se ficou sabendo que a norma é recomendada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne uma trintena de nações, entre elas as mais ricas do mundo.

A entidade entende que o segredo reduz o custo dos empreendimentos, ao estimular as empresas interessadas a oferecer preços mais baixos e ao impedir conluios entre elas. Outro ponto visado é o que dispensa os governos de exigir dos participantes das licitações a apresentação do respectivo projeto básico: os ganhadores que desenhem a obra e cuidem de executá-la no tempo devido. As empreiteiras, por sua vez, ficam desobrigadas de atestar sua capacidade técnica ao se candidatar: apenas a empresa escolhida terá de exibir prova de habilitação. Essas polêmicas inovações visam a acelerar o processo licitatório e a entrega do serviço, reduzindo - em tese - o gasto público.

Enquanto o procurador-geral Roberto Gurgel adverte que "é preciso cuidar para que esses dispêndios estejam rigorosamente de acordo com os princípios consagrados na Constituição", o que nem sempre estaria transparente no texto da lei, o presidente do TCU, ministro Benjamin Zymler, considera "excelente" na sua maior parte o regime especial. Em um recente debate ele se declarou "perplexo" com as críticas ao modelo, que seria um casuísmo para recuperar o tempo perdido na modernização da infraestrutura nacional, visando à Copa e aos Jogos do Rio de Janeiro, ao preço de afrouxar o controle sobre as empreitadas. Não é esse, contesta Zymler, o espírito da nova lei.

Ainda que não seja - o que, a rigor, só o futuro poderá dizer -, a coexistência de dois sistemas de licitação é no mínimo estranha. Se o RDC é tão mais conveniente do que a Lei 8.666, por que o governo não a substituiu de vez pelo formato alternativo? Além desse contrassenso, há uma questão prática no horizonte. Pela nova fórmula, cidades distantes até 350 quilômetros das sedes do Mundial podem tocar obras alegadamente relacionadas aos eventos. Mas alguns municípios, por insegurança jurídica, tenderiam a preferir a norma geral das licitações. Seria o caso da prefeitura do Rio de Janeiro, segundo o colunista do Globo Merval Pereira. Em suma, se o RDC não tivesse sido aprovado contra o relógio - para variar -, o Congresso poderia ter produzido uma lei com menos pontos duvidosos.


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