terça-feira, 16 de setembro de 2008

Opinião do Estadão: Proliferação de municípios

 interior

Mesmo levando em conta o tamanho da população nacional, a extensão do território e a heterogeneidade de suas características, não se dirá que a Federação brasileira tem, em geral, menos municípios do que seria razoável. Mas as pressões pela criação de novas unidades em quase todo o País são uma constante política. Propostas nesse sentido tramitam em 24 Assembléias Legislativas. Se aprovadas, aos atuais 5.562 municípios se somarão outros 806, mediante a emancipação de distritos. Todos, naturalmente, terão os seus prefeitos, vereadores - que passariam de 51.700 para cerca de 59 mil -, funcionários e um mínimo de infra-estrutura material, exigindo, portanto, novos gastos com a implantação e o custeio da administração pública.

A proliferação acelerada de novos municípios começou com a Constituição de 1988, que deu aos Estados poderes autônomos para emancipar distritos. Desde então, até 1997, surgiram 1.480 novos municípios, a maioria dos quais sem condições de se manter, sobrevivendo apenas graças aos repasses da União e dos Estados. Em 1997 a febre diminuiu porque naquele ano entrou em vigor a Emenda Constitucional nº 15, aprovada no ano anterior, que suspendeu a formação de novos municípios enquanto o Congresso não aprovasse lei complementar regulamentando o dispositivo constitucional sobre desmembramento e emancipação de municípios.

Diante da omissão do Congresso, que ainda persiste, assembléias estaduais tomaram iniciativas das quais brotaram outros 57 municípios, antes que o Supremo Tribunal Federal as desautorizasse, em 2006, e desse ao Legislativo prazo de 18 meses, a se completar em novembro próximo, para votar a referida lei complementar. Agora, um Projeto de Emenda Constitucional pretende restabelecer a prerrogativa dos Estados de criar municípios - e à sua aprovação se prendem as mencionadas propostas para a formação de 806 unidades em 24 Estados. No começo do mês, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou novas normas para a criação de municípios.

Trata-se de uma tentativa de conter um segundo surto de emancipação de distritos. Um novo município teria que ter, no mínimo, entre 5 mil e 10 mil habitantes, conforme a região. A sua arrecadação e o número de imóveis no seu núcleo urbano teriam de estar acima das médias dos 10% dos municípios menos habitados. E o seu eleitorado teria de equivaler a pelo menos 50% da respectiva população. "Não se pode pegar um vilarejo e transformá-lo em cidade", comenta o presidente da Associação Paulista de Municípios. Há quem discorde das restrições. É o caso do presidente da Confederação Nacional dos Municípios, Paulo Ziulkoski. Para ele, aliás, o que se deveria votar com urgência é a legalização dos 57 municípios criados entre 1997 e 2006.

Na realidade, os políticos são os principais interessados em abrir novos espaços institucionais para as suas carreiras - ou, no caso de seus padrinhos, para a ascensão dos apadrinhados. Mais municípios significam redes mais extensas de clientelas e patronagem política. Salvo as clássicas exceções que confirmam a regra, as populações não apenas não se beneficiam da promoção do seus distritos a municípios, como ainda arcam com a gastança. Sem auto-suficiência, a sua criação é uma aventura administrativa que atinge em cheio as demandas locais por prestação dos serviços básicos de saúde e ensino de primeiro grau, setores de alçada essencialmente municipal.

Para os municípios já existentes, mais municípios representam a pulverização dos recursos dos Fundos de Participação que lhes são destinados. Para a União e para os Estados, o gasto continua o mesmo, mas a fragmentação diminui a sua produtividade, em prejuízo daqueles a que se destina. Além disso, a inviabilidade financeira dos lugarejos promovidos a municípios alimenta indiretamente o escambo político que está por trás das emendas parlamentares ao Orçamento federal. Pois daí é que saem, já se sabe como, as verbas para as obras que o município desvalido não tem condição de bancar. A descentralização é benéfica quando permite que as políticas públicas produzam melhores resultados com iguais recursos. Não será este o efeito da proliferação de municípios sem eira nem beira.


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