Passado o entusiasmo inicial, o mercado financeiro descobriu que o mundo ainda não está salvo e que a aprovação do plano de US$ 700 bilhões apresentado sexta-feira pelo governo americano vai envolver negociações complicadas. O Executivo pede urgência ao Congresso, mas senadores e deputados, assim como os candidatos à presidência dos Estados Unidos, tentam faturar politicamente com a crise e também com a operação de socorro proposta pelo presidente George W. Bush e pelo secretário do Tesouro, Henry Paulson. Nenhum político importante se opõe ao uso de dinheiro público se for para evitar o pior, mas não faltam palpites sobre como executar a intervenção. O presidente do Comitê de Bancos do Senado, o democrata Christopher Dodd, fez circular um projeto de 44 páginas com uma porção de exigências. A proposta original do governo tinha duas páginas e meia.
Nos demais países do mundo rico, nenhum governo se mostra disposto a adotar plano semelhante ao apresentado por Bush e Paulson. Todos os ministros de Finanças e presidentes de bancos centrais parecem contentar-se com as formas de cooperação adotadas até agora - basicamente, ações concertadas para prover dinheiro às instituições em busca de financiamento.
Nessa segunda-feira, uma teleconferência entre autoridades financeiras do Grupo dos 7 (G-7), formado por Estados Unidos, Canadá, Japão, Alemanha, Reino Unido, França e Itália, produziu apenas uma promessa de mais cooperação. Os governos do G-7, segundo um comunicado conjunto, continuarão a trabalhar pela estabilidade financeira internacional. Mas não é preciso seguir o exemplo do Tesouro americano, disseram os ministros de Finanças da Alemanha e do Japão. Seu colega britânico, Alistair Darling, anunciou planos de regulamentação mais eficientes do setor financeiro e defendeu a melhora da supervisão internacional.
Mas essa supervisão é quase nula. O Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco de Compensações Internacionais (BIS) têm emitido, ocasionalmente, sinais de alerta, mas sem efeito sobre a operação das instituições financeiras. A avaliação de risco é feita por agências famosas por sua capacidade de errar e de apontar os problemas com atraso. Além disso, nem sempre há segurança quanto à isenção dos avaliadores de riscos.
A supervisão tem dependido quase exclusivamente de instituições como os bancos centrais, as comissões de valores mobiliários e as agências de regulamentação de seguros. Nos Estados Unidos, os bancos de investimento não eram sujeitos ao controle do Federal Reserve (Fed) e isso facilitou a formação da bolha de crédito. Já o Banco Central (BC) do Brasil tem sido especialmente eficaz na definição e na aplicação de regras ao setor financeiro, com poder de controle sobre bancos comerciais e outras instituições. Já adotava padrões mais severos que os seguidos em vários países desenvolvidos e em janeiro deste ano anunciou planos de imposição de regras ainda mais estritas. Como parte desse trabalho, acaba de pôr em discussão uma proposta de novas normas de avaliação de risco pelos bancos.
Os controles brasileiros melhoraram muito desde a quebra de alguns grandes bancos nos anos 90 e da adoção do Proer, um programa de saneamento do setor financeiro. Os Estados Unidos também tiveram episódios importantes de insolvência no sistema financeiro. A diferença é que as autoridades brasileiras parecem ter aproveitado a lição das crises.
O Banco Central do Brasil continua, portanto, trabalhando para elevar os padrões de segurança dos bancos e de outros intermediários financeiros, enquanto as autoridades americanas ainda tentam descobrir como vão executar o plano de socorro apresentado pelo Executivo na semana passada. Até ontem, havia dúvidas até sobre como serão fixados os preços dos ativos podres que o governo americano comprará.
O Brasil está bem, mas não se deve subestimar a crise, observou nesta segunda-feira o presidente do BC, Henrique Meirelles. Já o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em Nova York, disse não trabalhar com a hipótese de contaminação do Brasil. Graças a Deus, disse Lula, a crise dos Estados Unidos até agora "não atravessou o Atlântico". De fato, não é fácil vir dos Estados Unidos ao Brasil por esse caminho.
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