sexta-feira, 26 de setembro de 2008

O atraso e o perigo do socialismo – O que está em jogo no referendo do Equador

Referendo_no_equador Os equatorianos vão às urnas neste domingo para decidir em um referendo popular se aprovam ou não a nova Constituição do país, que foi debatida durante oito meses por uma Assembléia Constituinte.
Uma nova Constituição para "refundar o país" foi uma das principais promessas de campanha do presidente do Equador, Rafael Correa, que pretende, com a aprovação no referendo, sentar as bases de seu projeto "socialista", que segue o modelo dos vizinhos Venezuela e Bolívia.

"Não estamos elegendo presidente nem prefeito, estamos elegendo o futuro do país, a mudança no sistema político", afirmou o presidente às vésperas do pleito.

Em meio a uma dura campanha marcada por polêmicas entre setores da base aliada do governo, a Cúpula da Igreja Católica e os partidos conservadores, pesquisas de opinião apontam que o "sim" à nova Constituição deve obter mais de 50% dos votos.

A oposição, que defende o "não", afirma que o novo texto constitucional "concentra poderes" nas mãos do presidente e viola "os valores morais" dos equatorianos.

Abaixo os principais pontos de mudança na Constituição que será submetida às urnas:

Economia

A Constituição prevê a substituição da "economia de mercado" pela "economia social". O Estado se reservará o direito de administrar, controlar e cuidar da gestão de setores considerados estratégicos, como o petróleo, mineração, telecomunicações, água e agricultura. O Banco Central também deixará de ser autônomo e a política monetária passará a ser regulada pelo Executivo. Para o governo de Rafael Correa, o fortalecimento do Estado é o ponto de partida para "colocar fim às estruturas neoliberais". Na opinião da base governista, os governos anteriores eliminaram a participação do Estado nos processos de desenvolvimento do país, o que teria aprofundado o empobrecimento da nação.

A oposição, representada pelos partidos conservadores, afirma que o governo pretende repetir "um modelo falido" adotado em outros países, no qual o Estado assume o controle de todos os setores. Os opositores afirmam que, se aprovada a Constituição, a participação do setor privado na economia será subtraída e, com ela, os investimentos estrangeiros no país.

Propriedade

Além da propriedade pública e privada, o Estado "reconhece" e "garante" o direito à propriedade comunitária, estatal, associativa, cooperativa e mista. Todas estarão sujeitas "ao cumprimento de sua função social e ambiental". O texto constitucional outorgaria ao Estado o direito de expropriar terras não produtivas para a reforma agrária e os latifúndios passariam a ser proibidos. Essa é uma das reivindicações dos movimentos camponeses e indígenas, uma das bases críticas, porém aliadas a Correa. A medida é criticada por grandes proprietários que se sentem ameaçados de perder suas propriedades.

Reeleição e revogatório presidencial

O novo texto constitucional inclui o referendo revogatório para a Presidência e demais cargos de eleição pública depois do cumprimento de um ano de mandato. A reeleição presidencial imediata também seria permitida depois de um período presidencial de quatro anos. Se a Constituição for aprovada, serão convocadas novas eleições antecipadas, inclusive para a Presidência da República. Neste caso, Rafael Correa, que conta com um elevado índice de popularidade, principalmente entre os mais pobres - que representam 60% da população - não teria dificuldades em ser eleito novamente. Ao finalizar este eventual novo mandato, sob as regras da nova Constituição, o presidente equatoriano poderia candidatar-se à reeleição, o que lhe permitiria continuar na presidência até 2017.

Direitos homossexuais e reprodutivos

Um dos artigos mais polêmicos é o que outorga o direito à mulher de decidir quantos filhos pretende ter. A proposta foi o pivô de uma dura campanha da cúpula da Igreja Católica e dos partidos conservadores contra a nova Constituição. Apesar de não despenalizar o aborto, na avaliação dos opositores, o texto deixa aberto o precedente para a interrupção da gravidez. Outra proposta duramente criticada pela oposição é a que autorizaria a união civil homossexual e a colocaria em situação de igualdade de direitos com o matrimônio convencional. "É uma Constituição que promove o aborto e a união homossexual, é contra a lei de Deus. O Equador não está preparado para uma sociedade assim", afirmou à BBC Brasil o ex-presidente Lúcio Gutierrez, um dos principais opositores de Correa e defensores do "não" no referendo.

Bases militares

A proposta constitucional não permite o estabelecimento de bases militares estrangeiras ou a presença de instalações ou tropas militares estrangeiras no país. Se aprovada, a Constituição fornece as bases legais para sustentar a decisão de Correa de não renovar o contrato de concessão do território onde está instalada a base militar dos EUA no Estado de Manta, cujo convênio vence em 2010.

Descriminalização do uso de drogas

O uso de drogas passaria a ser tratado como problema de "saúde pública" e não mais como crime. A punição de consumidores de drogas seria proibida. A oposição afirma que este artigo tende a "proteger a criminalidade".

Depois do referendo

Se a Constituição for aprovada, o país entrará em um regime de transição e a Assembléia Constituinte nomeará uma Comissão Legislativa e de Fiscalização para regular as atividades do Estado no período que precede as eleições gerais a todos os cargos públicos. Rafael Correa, que conta com uma popularidade que atinge cerca de 70%, aposta na crise de credibilidade que enfrentam os partidos tradicionais do Equador para conseguir renovar o Congresso e conseguir estabelecer uma maioria parlamentar que possa afiançar seu projeto político. Caso o "não" saia vitorioso, o Parlamento, atualmente em recesso, voltará a legislar e prevalecerá a Constituição elaborada em 1998. BBC Brasil


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