quarta-feira, 7 de maio de 2008

Opinião do Estadão: Os juízos do titular do TSE

O ministro Carlos Ayres de Britto, no Supremo Tribunal Federal desde 2003, assumiu ontem, por dois anos, a presidência de turno do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ontem também, o jornal Valor lhe atribuiu a intenção de evitar o excesso de declarações públicas - à diferença do seu antecessor, Marco Aurélio Mello, de longe o mais loquaz dos integrantes das instâncias superiores do Judiciário. Britto pretenderia evitar comentários sobre assuntos pendentes de julgamento. É o que determina o princípio, infelizmente nem sempre seguido à risca, de que juiz só fala nos autos. Antes fosse tão simples nesse caso. O novo titular do TSE entende que a Justiça Eleitoral tem o papel de orientar o sistema político, pois uma das suas principais atribuições é dirimir questões da legislação sobre as quais têm dúvidas os partidos e os mandatários que a consultam.

O problema é o exercício dessa atividade tida como pedagógica, em circunstâncias de todo diversas - quando o magistrado aceita se pronunciar sobre questões políticas que lhe são levadas pela imprensa. Foi o que fez o ministro Britto, numa atitude paradoxal, à luz do seu manifesto propósito de ser parcimonioso nos comentários para a mídia.

De fato, na segunda-feira, a Folha de S.Paulo publicou uma série de juízos de valor que ele se permitiu emitir com desenvoltura sobre a política nacional. Ainda que estivesse rigorosamente coberto de razão em tudo que afirmou, o resultado é inquietante - e não só tendo em vista o citado princípio que restringe aos autos dos processos o espaço para a expressão dos julgadores. Uma das servidões que a vida pública impõe aos que a escolheram é a de não poder dizer o que se pensa com a mesma naturalidade de um cidadão privado - porque os efeitos são diferentes.

Mas, se disso antes não sabiam ou suspeitavam, agora os políticos - e os eleitores que tomaram conhecimento da entrevista de Britto - estão cientes de que, para o primeiro entre os pares da mais alta corte eleitoral do País, os partidos são "a tristíssima expressão de um sepulcro caiado, que por fora está pintadinho, mas por dentro é uma putrefação só". Decerto é o que acha parcela ponderável da sociedade - e não faltará quem observe que nem sequer o sepulcro "por fora está pintadinho".

No entanto, isso não altera a inconveniência da avaliação. Imagine-se, apenas para argumentar, o escândalo que seria um presidente da Câmara ou do Senado desqualificar, até com palavras menos contundentes, os órgãos que formam a estrutura do sistema judicial brasileiro. Ainda não é tudo. Os motivos que levaram o presidente do TSE a recorrer àquela analogia também chamam a atenção.

Solicitado a mencionar os principais temas que espera resolver antes das eleições municipais deste ano, Britto respondeu que, em primeiro lugar, "precisamos aperfeiçoar o sistema de fidelidade partidária que nós implantamos no ano passado". Deixou claro de saída, portanto, que esse aperfeiçoamento cabe à Justiça Eleitoral e não ao Legislativo.

É água para o moinho da chamada judicialização da política, esse indesejável estado de coisas nascido - é bem verdade - da inaptidão, ou inapetência, do sistema partidário de reformar pelo menos os aspectos mais criticáveis de seu funcionamento. O que o ministro entende por aperfeiçoar é tornarem-se os partidos fiéis a si próprios. A intenção é evidentemente meritória, mas o juiz da menor ou maior afinidade entre o programa e as práticas de cada legenda só pode ser o eleitor.

Se é utópico esperar do grosso do eleitorado que vá às urnas resolvido a punir as siglas incoerentes e premiar as outras, paciência. Essa não pode ser atribuição do Judiciário - e, se pudesse, não se imagina como dela se desincumbiria a instituição para cobrar dos partidos a fidelidade que passou a cobrar dos seus parlamentares.

Tampouco parece louvável o titular do TSE, querendo ou não, respaldar com a sua autoridade - e de forma absolutamente taxativa - idéias no mínimo polêmicas, como a de que uma única reeleição "já fragilizou a pureza do regime republicano". Ou mesmo a de que "o financiamento público de campanha é uma idéia cujo tempo chegou". Dedique-se o ministro ao cumprimento das leis eleitorais. Já não será pouco.
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