domingo, 4 de maio de 2008

Opinião do Estadão: Inflação, perigo à vista

Errou mais uma vez o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Segundo ele, a inflação está controlada e bem comportada e o problema "é só o feijãozinho". Nem uma coisa nem outra. As pressões inflacionárias são crescentes, acumulam-se desde o ano passado e não se manifestam só nos preços dos alimentos. Também as matérias-primas industriais estão em alta, as pressões de custo são fortes e o risco de repasse aos preços finais está longe de ser desprezível. Há uma coleção de más notícias para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Índice Geral de Preços-Mercado (IGP-M) divulgado na terça-feira pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Em abril, o aumento acumulado em 12 meses chegou a 9,81%, a pior marca desde abril de 2005, quando o número cravado foi 10,74%, e a escalada pode continuar em maio, segundo o coordenador de Análise Econômica da entidade, Salomão Quadros. Esse panorama ainda não inclui possíveis aumentos de preços da gasolina e do álcool combustível.

Inflação contida tem sido um dos principais pilares da popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele sabe disso, mas ainda não mostrou disposição de agir para conter a nova escalada dos preços. Prefere deixar as medidas impopulares para o Banco Central (BC), sem comprometer a imagem de um presidente bonzinho e portador somente de boas notícias. Para que correr o risco de cortar gastos públicos e limitar a expansão do consumo de bens duráveis num ano de eleições municipais, primeira escala para a grande disputa nacional de 2010?

Os preços por atacado, medidos pelo IPA-M, continuam sendo os principais motores da inflação. Subiram 12,17% nos 12 meses terminados em abril, puxados principalmente pelos preços agrícolas (28,88%). Mas os produtos industriais também sobem perigosamente. A alta acumulada de seus preços, no atacado, chegou a 7,34%, na maior variação registrada em 40 meses. Os bens intermediários - sem contar os combustíveis para produção - encareceram 8,66%. Minério de ferro, chapas de aço e plásticos, insumos com grande peso na formação dos custos, continuam sendo reajustados tanto por causa de pressões externas quanto da procura no mercado interno.

O IPA-M é o principal componente do IGP-M, com peso de 60%. O Índice de Preços ao Consumidor (IPC-M) ainda foi pouco afetado pelo repasse dos custos, mas também se move com velocidade crescente. Há um ano, acumulava uma alta de 2,72% em 12 meses. Em abril de 2008, esse número chegou a 4,75%. No mês, a variação ficou em 0,76%. Mas a variação mensal dos indicadores não é a mais preocupante. Índices de preços podem oscilar de um mês para outro por causa de fatores sazonais ou acidentais. É preciso olhar para mais longe. Há um ano sobem os valores acumulados de todos os grandes componentes do IGP-M.

Os economistas do BC identificaram essa tendência. O Comitê de Política Monetária (Copom) agiu da forma previsível, determinando uma nova alta da taxa básica de juros. Essa providência dará algum resultado - se der - apenas dentro de alguns meses. Talvez seja necessário, como já se prevê no mercado financeiro, continuar elevando os juros por algum tempo. Mas seria possível conter mais prontamente a demanda de consumo, se duas medidas fossem tomadas. Uma delas seria uma contenção real do gasto público. A despesa de governo continua a crescer velozmente, como demonstraram as contas do governo central divulgadas nessa semana. No primeiro trimestre, mesmo sem orçamento aprovado, o poder central (Tesouro, Previdência e BC) gastou 8,2% mais do que um ano antes, em termos nominais. E a previsão para o ano, de acordo com a programação orçamentária, é de um aumento bem maior que o do Produto Interno Bruto (PIB).

A outra medida seria a contenção do crédito, que continua em expansão. Em março, o maior crescimento mensal foi o dos empréstimos à indústria, mas, quando se consideram períodos mais longos - de um ano, por exemplo -, os financiamentos à pessoa física continuam sendo o destaque e isso inclui as operações de leasing de automóveis. Talvez o presidente não queira ouvir falar em contenção do consumo, mas será muito pior ter de ouvir protestos, mais tarde, contra o aumento da inflação.
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