De volta de Pequim, Lula encontrou um abacaxi de bom tamanho em cima de sua mesa de despachos no Palácio do Planalto. Chefes militares querem que ele desautorize a iniciativa do ministro Tarso Genro, da Justiça, de reabrir o debate sobre punição para quem torturou presos políticos durante os 21 anos de ditadura inaugurados em março de 1964.
Dá para imaginar que Tarso feriu tema tão delicado contra a vontade de Lula ou à revelia dele? Bem, se você acredita que Lula foi traído por mensaleiros dá para acreditar. Mas em maio último Tarso antecipou o que estava por vir – e Lula não reagiu.
Ao reverenciar os estudantes perseguidos pelo regime militar de 64, ele comentou durante solenidade pública em Brasília:
- Dizem que a anistia foi feita para todos, inclusive para os torturadores. Eu respondo que se ela foi feita para os torturadores, eles têm que ser julgados, eles têm que receber uma pena. Eles se escondem hoje em uma postura arrogante que não aceita a controvérsia política.
Raciocínio confuso. Pois se a anistia foi feita para todos – inclusive torturadores – eles estão a salvo de julgamento. O que ali ficou claro, porém, foi a opinião de Tarso favorável ao julgamento e eventual punição de torturadores.
Tarso não é um militante qualquer do PT. Nem um ministro de segunda linha. Foi ministro da Educação do primeiro governo Lula, presidente do PT e é ministro da Justiça. O que ele diz tem peso político.
Se Lula tivesse considerado a declaração de Tarso inconveniente deveria tê-lo enquadrado há mais tempo. Afinal, o que é isso, companheiro? Desde quando o governo está disposto a rediscutir a Lei de Anistia? Eu não estou. E aqui mando eu.
Na verdade, Lula deve ter achado conveniente o que Tarso disse. Quem vence eleição pela esquerda e governa pela direita precisa vez por outra corresponder aos anseios dos que se sentiram enganados.
Então Tarso foi em frente. Convocou um seminário e voltou a defender a revisão da Lei da Anistia:
- A partir do momento em que o agente pega o prisioneiro e o tortura num porão, ele sai da legalidade do próprio regime militar e se torna um criminoso comum. Não foi um ato político. Ele violou a ordem jurídica da própria ditadura e tem que ser responsabilizado.
Faz sentido. A ditadura jamais admitiu a tortura como política oficial de repressão. Em toda parte, tortura é crime contra a humanidade.
O mundo desabou na cabeça do ministro. E o país assistiu a mais um ato de anarquia militar.
Quem aposentou a farda pode falar sobre política. Quem ainda veste, não.
Na última quinta-feira, em trajes civis, o comandante militar do Leste, general Luiz Cesário da Silveira, e o chefe do Departamento de Ensino e Pesquisa do Exército, general Paulo César Castro, compareceram a um seminário no Clube Militar, no Rio, montado sob encomenda para rivalizar com o seminário promovido por Tarso.
Pouco importa que tenham permanecido calados. Mas daí a se dizer que foram ao seminário como poderiam ter ido ao teatro é debochar da inteligência alheia. Agiram no limite da irresponsabilidade.
O seminário foi um ato hostil ao governo – a se concluir, é claro, que Tarso é governo.
Membros do Alto Comando do Exército, os dois generais confraternizaram com seus colegas de pijama para marcar a inconformidade das Forças Armadas com o comportamento de Tarso.
Em uma democracia, quem manda nos militares é o chefe do governo – e por delegação dele o ministro da Defesa. Os militares nos Estados Unidos foram à guerra no Iraque porque o presidente mandou – embora soubessem que eram falsos os motivos oferecidos para justificá-la.
Nem tudo o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil – mas a subordinação irrestrita dos militares ao presidente seria boa por aqui, sim.
Sob pressão para deixar Tarso pendurado no espaço, é o que Lula deverá fazer logo a se levar em conta seu prontuário no cargo. Blog do Noblat
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