segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Opinião do Estadão: Esperteza com a dívida rural

A Câmara dos Deputados aprovou na semana passada mais um estímulo ao calote e à malandragem, desfigurando a Medida Provisória (MP) 432 e ampliando os benefícios oferecidos pelo governo em nova reestruturação das dívidas do setor rural. Sem avisar o Ministério da Fazenda, reduziu o valor de 114.692 contratos inscritos na Dívida Ativa da União (DAU). Para isso, trocou a taxa básica de juros (Selic) pela Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), diminuindo de 13% para 6,25% o índice de correção dos débitos. Os favorecidos pela mudança têm dívidas inscritas no valor total de R$ 7,2 bilhões.

Com essa alteração, o inadimplente passa a receber um tratamento melhor que o oferecido a quem paga em dia, alertou o secretário-adjunto de Política Agrícola do Ministério da Fazenda, Gilson Bittencourt. Deixar de pagar e ter um título inscrito na DAU torna-se um negócio muito atraente.

Como o Senado ainda terá de votar a MP 432, talvez seja possível corrigir a distorção. Para isso, o ministro da Fazenda e os líderes do governo terão de agir com maior competência política do que demonstraram até agora. Na Câmara, houve 264 votos favoráveis à MP alterada, 128 contrários e 1 abstinência. O apoio da base aliada foi decisivo para a aprovação do texto desfigurado.

Mais uma vez, portanto, parlamentares confundiram esperteza e malandragem com política agrícola e tentaram distribuir favores, de forma indiscriminada, à custa do Tesouro, isto é, do contribuinte. E o mal maior não é a distribuição de favores. É o desperdício de recursos consideráveis e necessários às políticas oficiais.

Mas os parlamentares não erraram sozinhos. O Executivo criou a ocasião para essa nova exibição de esperteza, aceitando refinanciar, mais uma vez, o enorme débito acumulado pelo setor rural. O pacote completo da MP 432 foi concebido para facilitar o pagamento de R$ 75 bilhões, de um total de R$ 87,5 bilhões da dívida do setor.

Desde os anos 90 a dívida rural vem sendo renegociada periodicamente, sempre com novas facilidades e sempre de forma indiscriminada. Têm sido beneficiados tanto bons quanto maus pagadores, tanto grandes quanto pequenos proprietários, tanto produtores afetados por problemas fora de seu controle quanto os demais.

Como a renegociação se tornou quase rotineira, o risco associado ao atraso de pagamentos tem diminuído. De tempos em tempos, e principalmente em momentos de fraqueza política do governo, a bancada ruralista se mobiliza para arrancar do Executivo mais uma renegociação, em geral com sucesso.

Não se vê o mesmo empenho quando se trata de problemas típicos do agronegócio, como pesquisa, produção, comercialização e defesa sanitária. São questões, tudo indica, muito menos interessantes para a maioria da bancada ruralista.

A maior parte do bom desempenho exibido pela agropecuária, nos últimos 20 anos, tem pouquíssima relação com o trabalho da bancada de fazendeiros no Congresso. Esta afirmação é verdadeira em relação à boa safra de cereais, oleaginosas e fibras deste ano. A última estimativa do IBGE, realizada em junho e divulgada nessa semana, aponta uma produção de 145,1 milhões de toneladas, 9% maior que a da temporada anterior. A da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) indica 143,7 milhões. Qualquer dos dois números é um recorde.

A maior parte da produção deste ano está colhida. Falta colher o trigo e outras lavouras de inverno. O novo desafio é garantir um bom resultado na safra 2008-2009. O plantio ocorrerá nos próximos meses. O plano apresentado pelo governo inclui um volume de financiamentos maior que o do ano passado, mas os custos serão também muito mais altos. Os fertilizantes, por exemplo, ficaram cerca de 80% mais caros nos últimos 12 meses. Segundo a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), o custo total de produção será entre 22% e 55% maior que o do ano passado, variando de acordo com a lavoura e a região.

O novo refinanciamento da dívida rural poderá dar algum fôlego aos produtores para enfrentar o plantio, mas não é essa a melhor maneira de se fazer política agrícola. Muito melhor seria uma renegociação com mais foco e mais discriminação, somada a uma política realista de crédito para o setor. Se as cotações dos produtos agrícolas caírem, a situação ficará mais complicada.


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