sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Opinião do Estadão: Praga difícil de erradicar

Três semanas depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter expedido a Súmula Vinculante nº 13, proibindo os dirigentes de todas as instâncias dos Três Poderes de contratar parentes até o terceiro grau para ocupar cargos de confiança, de comissão e de função gratificada na administração pública direta e indireta, ainda há grandes resistências ao cumprimento da determinação.

Dada a extensão do entranhamento desse costume em todos os níveis da administração pública, essa resistência já era esperada. O que causa surpresa é a desfaçatez com que muitos prefeitos, governadores, deputados e senadores tentam disfarçar, do ponto de vista jurídico-formal, o descumprimento da Súmula que o STF baixou com o objetivo de moralizar a máquina governamental.

Na Câmara dos Deputados e em várias Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais, há parlamentares que continuaram recorrendo ao chamado "nepotismo cruzado", estratégia pela qual um parlamentar emprega em seu gabinete o parente de um colega e vice-versa. O expediente é expressamente proibido pela determinação do STF. Nas poucas Casas Legislativas cujos dirigentes se revelaram mais rigorosos na aplicação da Súmula Vinculante nº 13, as demissões de pais, irmãos, filhos, netos, primos e cunhados vêm sendo realizadas a conta-gotas.

No Senado, diante da demora de alguns parlamentares em exonerar parentes, a Mesa Diretora lavou as mãos. Em vez de cobrar as demissões, ela resolveu deixar a responsabilidade de cumprir a Constituição a cargo de cada senador. Além disso, a Mesa não fixou um prazo para que providências sejam tomadas. Os boletins da Casa mostram que só o primeiro-secretário, senador Efraim Moraes (DEM-PB), já apadrinhou 23 pessoas, 13 de sua família e 10 ligadas a aliados na Paraíba, indicando-as para cargos de comissão e função gratificada. Várias delas nunca foram vistas nos escritórios do senador em Brasília e em João Pessoa. Alguns senadores vêm tentando transferir parentes para os gabinetes das lideranças partidárias e do direitor-geral do Senado, alegando que a Súmula do STF não se aplica àqueles cargos de confiança. "Esperamos que cada senador cumpra a ordem, por isso não discutimos possíveis punições", diz o 2º vice-presidente do Senado, Álvaro Dias (PSDB-PR).

Mais acintosa ainda foi a estratégia utilizada pelo governador do Paraná, Roberto Requião, que emprega três parentes. No mesmo dia em que o Supremo baixou a Súmula Vinculante, Requião assinou o Decreto 3.302, nomeando a mulher, Maristela, que é diretora do Museu Oscar Niemeyer (MON), para o cargo de "secretária especial", sem pasta definida. E, dias depois, nomeou seu irmão Eduardo, que até então era diretor da Superitendência de Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina, para o cargo de secretário estadual de Transportes. Ao justificar a medida, o chefe da Casa Civil do governo paranaense, Rafael Iatauro, afirmou que a Súmula Vinculante nº 13 não se aplica a esse tipo de cargo, que é de natureza política. Iatauro disse ainda que João Arruda, o sobrinho de Requião que é diretor da Companhia de Habitação do Paraná, não deverá ser afastado, por ter sido indicado para o cargo pelo Conselho de Administração da empresa, na qual o governo estadual tem direito a dois assentos.

O mesmo expediente também foi utilizado no Rio de Janeiro pelo prefeito Cesar Maia, com o objetivo de favorecer a irmã, Ana Maria, que ocupava um cargo de confiança na Secretaria Especial de Eventos. Maia, que já emprega a cunhada Carmem, como presidente da Fundação Planetário, a sobrinha Anita, como presidente da RioZoo, e o sobrinho Carlos, como subsecretário de assuntos administrativos, nomeou Ana Maria como titular da Secretaria Especial de Eventos. Ao assinar a nomeação, o próprio prefeito confirmou que a manobra se destinava a contornar a determinação do Supremo. "Ela (a irmã) continua a fazer o que sempre fez, ganhando o mesmo que ganhava."

As artimanhas dos políticos para contornar a decisão da mais alta Corte da Justiça mostram como é difícil erradicar a praga do nepotismo. Cabe ao Ministério Público ficar atento, para coibir a chicana de governantes e parlamentares.


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