Comentário de Ricardo Noblat
Chamem Márcio Thomaz Bastos, ex-ministro da Justiça, para tirar o governo do sufoco provocado pela denúncia de que cabeças coroadas da República foram grampeadas por arapongas da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), da Polícia Federal ou de terceiros.
Não se descarte a hipótese de o trabalho ter sido obra de um mutirão de arapongas.
Na época do seu governo, o último do regime militar de 64, o general-presidente João Baptista de Oliveira Figueiredo, oficial de cavalaria e ex-chefe do Serviço Nacional de Informações, ameaçava chamar Pires sempre que se via contrariado pelos políticos.
No caso, Pires era o sobrenome do general Walter, então comandante do Exército. Convocá-lo significava que Figueiredo admitia dar meia volta no processo de abertura política inaugurado pelo general-presidente que o antecedera, Ernesto Geisel.
Thomaz Bastos funciona para Lula como o Pires de Figueiredo. Com uma diferença notável: ele é o Pires do bem, digamos assim. Convocá-lo não representa perigo para a democracia – pelo contrário. Thomaz Bastos está empenhado em preservá-la ajudando o governo Lula a atravessar turbulências.
Foi assim, por exemplo, quando Roberto Jefferson detonou o escândalo do mensalão. Thomaz Bastos salvou o governo com a história de que mensalão era Caixa 2, de que todos os partidos fazem Caixa 2, e de que Lula fora traído.
Outra vez Thomaz Bastos salvou o governo quando se soube que aloprados a serviço da reeleição de Lula haviam forjado um dossiê contra candidatos do PSDB – entre eles José Serra e Geraldo Alckmin.
Imagine só um escândalo onde todos os envolvidos tinham nome e sobrenome, onde uma maleta com dinheiro fora apreendida, onde havia conta bancária identificada e gente presa pela Polícia Federal.
Pois muito bem: o escândalo morreu de inanição. A Polícia Federal não apontou culpados. Grande Thomaz Bastos!
Fora do ministério, mas jamais excluído do círculo de assessores íntimos de Lula, Thomaz Bastos deixou suas impressões digitais na solução do recente episódio do dossiê sobre despesas sigilosas do governo anterior. O dossiê virou banco de dados – simples assim.
E apareceu até um José Aparecido, funcionário da Casa Civil, para livrar a ministra Dilma Rousseff da suspeita de que mandara confeccionar o dossiê.
Bem que Thomaz Bastos poderia dar um jeito no mais novo escândalo da praça – o dos grampos.
Pessoalmente, Lula nada tem a ver com ele. Seus ministros, também não. Alguns foram grampeados. Mas a se confirmar a denúncia da VEJA, reforçada no último fim de semana pela ISTOÉ e ÉPOCA, o governo perdeu o controle sobre seus órgãos policiais e de informação – se é que algum dia mandou neles.
E isso não é pouca coisa. O aparelho do Estado teria sido usado para espionar pessoas ao arrepio da lei.
De quem é a culpa? Parte é do governo. A outra parte é de juízes que deixam as escutas correrem soltas.
Lula foi rápido no gatilho e procedeu bem quando afastou dos seus cargos os diretores da ABIN e instruiu a Polícia Federal a descobrir quem grampeou quem, e por ordem de quem. Mas procedeu mal, muito mal, quando não demitiu o general Jorge Félix, chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República.
A ABIN é subordinada ao general. E ele negou na semana passada em depoimento no Congresso o que depois foi confirmado.
A ABIN possui equipamentos que lhe permitiriam grampear telefones? – perguntou-se ao general. Ele respondeu que não. Confrontado com uma lista de equipamentos comprados pela ABIN e instado novamente a responder à pergunta, Félix recuou:
- O que afirmo é que foi comprado como equipamento de varredura. Se permite [atividades] complementares, vamos fazer essa perícia.
O Exército fez. E concluiu que a ABIN está apta, sim, a grampear telefones. Por lei, ela é proibida de fazê-lo. E então?
Félix, pede pra sair. Lula, chama Thomaz Bastos. Blog do Noblat
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