terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

O que Fernando Henrique disse hoje na CBN


Entrevista a Heródoto Barbeiro – Jornal da CBN – 12/02/2008

Presidente, a gente poderia dizer que há algum fato determinado que justifique a instalação de uma CPI que comece em 1998, época em que o senhor era presidente da República?
FHC – Olha, em 1998 eu nunca ouvi nenhum fato, pode ser que, fuçando, encontre alguma irregularidade ou outra, sei lá... Acredito que não. Agora, não apareceu, quer dizer, o Tribunal de Contas nunca glosou a matéria, a imprensa não reclamou, deputados não fizeram discurso. O que houve, é outra coisa, é atualmente. Atualmente apareceram fatos concretos. Evidentemente que é possível, começando por aqui chegar, ou quem sabe se possa fazer uma comparação, mas começar por 1998 não tem sentido, é melar o jogo.

Presidente, desde quando existem os cartões corporativos, também desde 1998?
FHC – Não, acho que desde 2001, pelo menos na prática. Não sei se algum decreto de 1998, mas eles se tornaram realidade em 2001, que eu saiba. Eles são um instrumento positivo. O que nós estamos é confundindo “alhos com bugalhos”, às vezes. O instrumento é bom, o uso é que é mau, quer dizer, há momentos em que tem mal uso. Quais: Por exemplo, quando se retira demasiado recurso em cash, em dinheiro vivo; não há razão para isso. Um gasto pequeno, pode ser, eventualmente uma viagem e tal, mas milhões de reais, não há razão para isso.
Segundo: a quantidade de portadores desses cartões é espantosa, está errado isso, não há controle possível assim.
Terceiro: houve fatos notórios que a imprensa publicou de ministros que usaram mal, ou seja, com cartão ou sem cartão, certos tipos de despesas não podem ser feitas com dinheiro público, aí é abuso e isso tem que ser corrigido. Se o Governo tivesse se antecipado e corrigido, depois de denunciado o fato, aí não precisava mais nem falar em CPI, acabava o assunto.


Sendo o senhor do PSDB e o partido tendo concordado em fazer este acordo para que houvesse uma Comissão Mista desde 1998, não há aí uma contradição?
FHC – Eu não vi os termos do acordo. O que eu digo sempre é o seguinte: eu não tenho nada a esconder, mesmo no que diz respeito ao que se lê nos jornais, “temos que preservar as famílias dos presidentes”... Claro, preservar a intimidade das famílias, mas não os gastos das famílias, se for com o dinheiro público. Isso não pode! Se alguém da minha família (não houve isso) tiver usado, como se chama, conta B, cartão corporativo, seja lá o que for, para comprar o que é pessoal, o que é indevido, não pode; aí está errado. Então eu não tenho nenhuma preocupação com relação a preservar... E também no meu tempo não me lembro de que despesa do Palácio fosse segurança nacional, não me lembro disso.

Isso não coloca em risco a segurança pessoal do presidente da República, não importa quem seja?
FHC – Depende como, do que se esteja fazendo. Se for sob questões de deslocamento, sim, aí sim, tem que ser preservado. Agora o gasto que se faça, suponhamos que eu mande fazer uma roupa e page com o dinheiro do governo, está errado. Isso não é segurança nacional. Eu tenho que me explicar. Eu estou usando o dinheiro para aquilo para o qual não fui autorizado, dado que não há verba de representação; está errado, poderia até ter, mas não tem, então, não pode usar. Me lembro que quando estava na Presidência, de vez em quando saía no jornal (por que os dados eram publicados no SIAFI e os deputados tinham acesso): - o Palácio comprou 100 quilos de goiabada. Bom, não é o presidente e a família do presidente que está comendo 100 quilos de goiabada; são 100, 150 pessoas que vivem no palácio, que moram no palácio. Mas são coisas menores, não acho que seja segurança nacional com relação a isso. Acho um exagero nessa questão da segurança. Preservar a intimidade, isso é óbvio, mas não é isso, é que não pode usar. E não estou dizendo que tenham feito; eu não sei, e não quero levantar questões que eu não tenha base para levantar. Mas eu acho que em tese, não há por que não explicar gastos de dinheiro público para usos que não são devidos; se não forem devidos, tem que explicar!

Presidente, a oposição apresentou a proposta da CPI e o governo foi lá e já registrou. Depois não deu certo o governo se antecipou e fez um acordo e apareceu a chamada CPI Mista de senadores e deputados. Significa que a oposição sofreu duas derrotas políticas consecutivas?
FHC – Olha, eu não sei se sofreu derrota ou não sofreu derrota! O Brasil é que sofre a derrota; a conseqüência é o Brasil. Não esclarecer essas questões... O que é muito desagradável é você estar exercendo uma função, um cargo público e ficar na dúvida: eu tenho legitimidade ou não para fazer o que estou fazendo? Então você tem que ter regras, colocar claramente... E a CPI ou o governo deveriam cuidar disso e punir também quem exacerbou. Eu acho que a oposição não precisa fazer acordo de nada; faz a CPI a partir do fato determinado. Se no encadeamento da investigação ficar claro que é necessário remontar ao passado, que chegue até Deodoro - não adianta muito porque já morreram todos -, mas serviria pelo menos para esclarecer as coisas. Eu acho que a oposição não deveria fazer acordos; dá a impressão que estamos escondendo alguma coisa. Esconder o quê? Se tiver ocorrido coisa errada no meu governo, eu sou o primeiro a querer ver o que foi, e dizer, olha infelizmente houve isso, talvez já morreu quem fez, eu não posso mais punir, ou não sei o quê, mas não se deve fazer!

Presidente, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (eu não me lembro de outra), em que a oposição e a situação se juntam dizendo “vamos investigar”, é uma prova de amadurecimento do país ou não?
FHC – Pode ser dependendo da forma como ela se comporta. Se ela se comportar com isenção, quer dizer, não comece do ponto de partida querendo derrubar o presidente, querendo jogar a culpa na oposição, e querendo realmente verificar os fatos, aí, se todos ficarem em pé, vai haver aplausos. Vamos ver se é isso. Precisa botar as barbas de molho.

Presidente, a abertura de uma CPI é um direito que a minoria tem que ter respeitado?
FHC – Não tenha dúvida! O Supremo Tribunal Federal declarou isso com todas as letras. É um direito da minoria. Tem que ser respeitado, não há dúvida. Evidentemente que é um jogo político e o governo vai sempre fazer um esforço para... Eu compreendo isso, eu mesmo fiz o esforço possível para evitar, porque sempre há a possibilidade de a CPI, digamos, se transformar num tribunal de acusação sem prova. Sempre há essa possibilidade, mas é um jogo da democracia, e o jogo também implica isso. O governo tenta, mas tem limites. Quando a minoria obtém as assinaturas, você vai fazer o quê? Tem que respeitar.

Presidente, isso não vale também para a Assembléia Legislativa de São Paulo, onde há investigações semelhantes e o PT é minoria?
FHC – No meu modo de ver vale para o mundo todo. No meu modo de ver não há dúvida. Esse é o jogo, e também é o jogo o governo dizer, “olha, não é necessário e tal”, é o jogo, mas claro que vale.

Vale, portanto, para qualquer situação em que a oposição é minoria?
FHC – Eu não tenho dúvida, senão não posso defender com clareza as coisas. Às vezes as pessoas de princípio são perigosas para quem está exercendo o poder. Tudo bem, paciência, mas você tem que entender que é assim, o jogo é esse senão você não vai firmando tradições democráticas. Obviamente, há recursos até mesmo no regimento das assembléias [legislativas] para evitar uma proliferação de CPIs, senão a minoria, sendo 1/3 [um terço], ela faz CPI o dia inteiro. Também não pode, porque paralisa o congresso. Mas há uma regra que diz quantas podem ser criadas em cada ano, não pode ser sobre matéria que já foi discutida, enfim, há uma porção de regras para evitar aquilo que também pode ocorrer que é um abuso da oposição de querer criar CPI a toda hora. E isso desmoraliza o instituto da CPI, e nós no Brasil estamos correndo este risco, se bem que algumas das CPIs que nós assistimos elas resultaram em... Pelo menos estão aí nos tribunais processos graves contra pessoas que estavam ligadas ao governo ou não, e estão avançando os processos.

Presidente, é possível dizer que CPI em ano eleitoral (e este é um ano eleitoral) acaba sendo contaminada pela disputa?
FHC – É provável, é possível. Mas também é do jogo. É possível, mas isso é no mundo todo assim mesmo. Então a gente tem que ter, quem tem mais responsabilidade, deve o tempo todo evitar que o caldo entorne. Sempre haverá pessoas mais afoitas, denúncias não comprovadas, também aparece, na imprensa, também é assim, quer dizer, aparecem denúncias que não têm base, por isso eu vou dizer que não deve ter liberdade de imprensa? Não, tem que haver.

A entrevista durou 8m41s.
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Um comentário:

Anônimo disse...

Ouvi esta entrevista hoje de manhã na rádio CBN/Diário. Não tinha entendido muito bem o que ele tinha falado mas agora as coisas ficaram mais esclarecidas.
Parabéns pelo seu blog.