Três episódios protagonizados por autoridades brasileiras revelam como está sendo jogado o jogo bruto da política nacional
Política e poesia poucas vezes se encaixaram tão perfeitamente quanto ao longo desta semana. Em três ocasiões, os atos, palavras e versões de autoridades remeteram a versos linda e ferozmente construídos por Afonso Romano de Sant'Anna - brilhante artista, distinto herdeiro das mesmas Minas Gerais que deram vazão à pena de Carlos Drummond de Andrade para o Brasil e para o mundo.
Eis os episódios.
1) O presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou de público que as grandes empresas de petróleo boicotam o etanol - para nós, álcool combustível. "Tem uma disputa comercial. As petrolíferas estão por trás disso e os países não querem mudar suas matrizes", declarou, ao chegar em Lima, para a 5ª Cúpula América Latina-Caribe-União Européia.
Restou evidente que Lula se refere às petrolíferas estrangeiras, não é? Mas o governo brasileiro tem uma empresa exploradora de petróleo - a Petrobras. Ela é transnacional como as outras e atua no mercado global. Logo, a julgar pelas palavras do presidente, a nossa companhia estatal é diferente, trabalha para promover e difundir o etanol, em prol do mais legítimo interesse nacional.
No mundo real, contudo, a Petrobras não é exatamente a parceira dos sonhos dos produtores de álcool. Guarda com eles um histórico desfavorável de imposição de preços. Daí ser meio malvista no ramo. Anda por aí querendo adquirir fatias de 30% do capital das usinas país afora, em sociedade com a japonesa Mitsui. Mas enfrenta dificuldades porque poucos confiam nela - com exceção da Odebrecht, velha sócia em outros projetos, que está montando uma enorme planta sucroalcoleira no Pontal do Paranapanema.
Tanto não desfruta de crédito entre os produtores, que a estatal tenta em vão articular a construção de alcodutos ao longo do território. Os parceiros só aceitam se eles próprios gerirem o negócio. Não confiam nas gigantescas intenções do outro lado.
2) Os aliados do Palácio do Planalto lançaram mão da maioria esmagadora que formam na CPI dos Cartões para impor condições ao depoimento do secretário de Controle Interno da Casa Civil, José Aparecido Nunes Pires. Ele é o vazador formalmente identificado dos dados sigilosos da Presidência da República durante a gestão FHC.
Mas espera um pouco! O ministro da Justiça, Tarso Genro, não apareceu por aí com a tese de que a confecção do dossiê é legal, sua publicidade é que seria crime? Pois bem, identificado o criminoso, segundo a lógica do ministro, por que diabos o governo agora trata de tolher seu depoimento na CPI? Isso depois de mudar a versão meia dúzia de vezes a respeito do assunto?
3) Numa reunião secreta, a cúpula da operação política do Planalto resolveu enviar ao Congresso nos próximos dias um projeto de lei criando uma versão branda da finada Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). A medida teria por objetivo fornecer a "fonte" dos recursos extras para a saúde - coisa de R$ 6 bilhões por ano - garantidos com a regulamentação da Emenda 29 à Constituição. Pelo menos é o que dirão os líderes governistas no Parlamento.
A chamada emenda 29, na verdade, manda que o governo reserve um naco maior de suas receitas para o setor de saúde. Não precisa, pois, de "fonte", já que o dinheiro está lá. O que o governo quer é não ter que cortar obras do tal Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) se for obrigado pelo Congresso a investir mais na saúde do povo. São as obras que precisam de uma "fonte" de financiamento, não os hospitais, equipamentos e salários médicos. Dito dessa forma, entretanto, o projeto não passa na Câmara, nem no Senado. Daí a embalagem tramada durante a semana.
Expostos os casos e argumentos, é chegada a hora do desfecho, da moral da história. Valei-me senhor poeta - A implosão da mentira. Ugo Braga - Correio Braziliense
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(*) Ucho Haddad Após décadas de jornalismo, a maior parte do tempo dedicado
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