Antonio Carlos Pannunzio
A maioria dos quase 19 mil índios das etnias Makuxi, Wapixana, Ingarikó, Taurepang e Patamona, habitantes da reserva de Raposa- Serra do Sol está insatisfeita com suas atuais condições de vida. Mas, ao contrário do que as pessoas de outras regiões têm sido levadas a acreditar, eles não querem voltar a viver isolados em aldeias, como viveram seus ancestrais. Desejam, isto sim, que seus direitos de cidadãos brasileiros sejam reconhecidos e se traduzam num apoio mais efetivo do governo em áreas sensíveis como saúde, educação e apoio ao desenvolvimento agrícola.
A controvérsia sobre as terras indígenas em Roraima iniciou-se há mais de 90 anos. Há uma década, entrou em fase resolutiva, quando o Ministério da Justiça reconheceu a posse permanente dos índios sobre 1,7 milhão de hectares, na área, fronteiriça com a Venezuela e a Guiana, que compõe a Reserva de Raposa-Serra do Sol . Aquela decisão gerou, de imediato, um confronto jurídico entre o estado de Roraima - cujo governo não concordou com o reconhecimento da posse nos termos em que foi feito - e a União.
Sobrou, ainda, a discussão sobre o formato da reserva. Defendiam alguns a permanência, nela, de “ilhas” de ocupação por não-índios, dedicados principalmente ao cultivo de arroz. Outros recomendavam o afastamento de todos os não-indígenas. Em 2005, decreto presidencial optou pela reserva em área contínua, ou seja, com exclusão dos não-índios.
A seqüência de medidas adotadas pelo governo federal com tal objetivo não eliminou as tensões observáveis em Roraima. Ao contrário, fizeram com que estas aumentassem continuamente. A incerteza quanto ao futuro e o mútuo temor de violência criaram, de forma desnecessária e condenável, um estado de pré-confronto entre índios e não-índios.
Antecedendo o exame da matéria pelo Supremo Tribunal Federal, a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CREDN) da Câmara dos Deputados decidiu enviar até lá um grupo de três parlamentares, para colher informações, principalmente a partir do contato direto com os habitantes índios e não-índios. Dela participei, juntamente com os deputados federais Chico Rodrigues (DEM/RR) e Moreira Mendes (PPS/RO).
Somei o que ali vi e ouvi de pessoas diretamente interessadas na questão com os dados do relatório de visita feita à mesma área, em 2004, por outro grupo de parlamentares da CREDN. Isso reforçou a minha convicção de que o perigoso clima de confrontação instaurado em Roraima decorre das suposições inverídicas que orientaram a demarcação e homologação da reserva e das medidas através das quais se busca afastar dali os habitantes não-índios.
Engana-se quem acredita que os índios roraimenses, em sua maioria, querem, como seus antepassados, uma vida dedicada à caça, à pesca e à extração vegetal, desenvolvendo, no máximo, alguma atividade agrícola de subsistência. Erra quem supõe que aspiram viver sob a administração de supostamente dedicados funcionários da Fundação Nacional do Índio (Funai); integrantes do Conselho Indigenista de Roraima (CIR) e prepostos de uma batelada de ONGs sediadas no exterior ou que de lá recebem seus recursos, numa versão brasílica de um paraíso primitivo.
Nada disso é verdade. Os índios têm fortes queixas contra a inoperância da Funai e a incapacidade dela de prevenir e solucionar, com alguma eficiência, seus problemas de saúde. Sabem que um atendimento muito melhor e mais eficiente poderia ser prestado a eles pela Fundação Nacional da Saúde (Funasa), órgão federal que, em se configurando a demarcação contínua, terá que fazer as vezes da Secretaria Estadual de Saúde.
A maioria da população indígena vive em contato permanente com os brancos. Assimilou os seus métodos de trabalho agrícola. Deseja, como eles, dedicar-se à rendosa cultura do arroz, e reclama apoio governamental para ter acesso a máquinas, implementos e assistência técnica, que faça deles agricultores capazes de se ombrearem com os não-índios. A maioria dos indígenas reclama, igualmente, uma eficiente rede educacional que amplie seus horizontes. Quer preservar suas raízes, mas viver como todo e qualquer outro cidadão brasileiro.
A demarcação em área contínua, o retorno à vida tribal e ao isolamento traduzem, talvez, o sonho de alguns antropólogos e religiosos. Nada tem a ver com a aspiração da maioria da população indígena. É indispensável assegurar aos índios que vivem em aldeamentos o direito de preservar seus padrões culturais e seu isolamento. Mas exigir que todos eles, inclusive os que têm vivido toda sua existência numa realidade de integração, aceitem um isolamento compulsório é uma violência inaceitável.
A demarcação em área contínua tem, ainda, o defeito de deixar em aberto a complexa questão de tríplice fronteira. Esta não pode ser pensada tendo como único parâmetro as amistosas relações hoje existentes entre o Brasil e seus dois vizinhos naquela área. Como em toda fronteira terrestre em que existe contínua interação entre populações, é indispensável que tenhamos, ali, uma presença marcante de nosso Exército, como elemento de afirmação de nossa soberania e preservação de limites não apenas tribais, mas nacionais. Mídia Sem Máscara
Antonio Carlos Pannunzio é engenheiro e deputado federal pelo PSDB/SP
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