segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Fúria legisferante

1_lula_rindo Ipojuca Pontes

Todo dia o aparato estatal brasileiro, por meio dos seus legisladores ou mesmo pela vontade dos insaciáveis administradores públicos, anda produzindo uma enxurrada de leis, decretos, medidas provisórias, atos administrativos, portarias, preceitos, instruções normativas, resoluções, etc. – uma enxurrada, diga-se de passagem, que, além de estabelecer o caos judiciário, transformou o indefeso nativo numa espécie de súcubo nas mãos do burocrata de plantão.

Na primeira entrada em que o Aurélio define o que é Lei - bastante simples, de resto -, lê-se o seguinte: “Regra de direito ditada pela autoridade estatal e tornada obrigatória para manter, numa comunidade, a ordem e o desenvolvimento”. Em outra disposição de entendimento, o dicionário explica a Lei como uma “Obrigação imposta pela consciência e pela sociedade (lei moral)”, e/ou ainda, de forma mais abrangente, a “Condição imposta pelas coisas, pelas circunstâncias: a lei do destino, a lei da morte, a lei do mais forte”.

Deixadas de lado as tábuas de Moisés, desde que no “Leviatã” de Hobbes se concluiu que o ser humano não era formiga nem uma abelha, a idéia de impor um sistema legal para ordenar o convívio humano tornou-se uma necessidade. De fato, como o “bom selvagem” de Rousseau só existe na loucura rendosa dos utópicos, e a fera humana pode aflorar rápido diante da primeira adversidade, ninguém discute que se faz obrigatório o mínimo de regras para se encarar o jogo da vida.

Mas ocorre que no Brasil da Era Lula, a fúria legisferante do governo transbordou os limites do racional, mesmo levando-se em conta seus objetivos totalitários. Nele, num ritmo cada vez mais vertiginoso, as leis estão sendo criadas em cascata, sem eira nem beira e ao arrepio da própria lei maior, a já excessiva Constituição Cidadã do Dr. Ulisses, que, de tão desfigurada pelas incontáveis emendas e subemendas, se assemelha ao disforme Hércules-Quasímodo, mostrengo pranteado por Euclides da Cunha nas páginas de “Os Sertões”.

No (des)governo da Era Lula, com ou sem medida provisória, há leis para todos os gostos, acionadas por qualquer motivo ou razão. Hoje, em solo pátrio, o sujeito pode se danar de vez por cortar um graveto de pau no terreno abandonado, por vender uma lata de cerveja num bar de estrada repleta de assaltantes, por olhar mais detidamente as pernas da colega de trabalho, por chamar de preto o preto, por fumar em espaços fechados (e, às vezes, abertos), por reclamar do deboche do travesti acintoso, por não pagar a multa escorchante do governo na data aprazada, pela recusa em curvar-se aos desmandos do burocrata do balcão e até, o que é mais freqüente, pela ousadia de sussurrar que o político ladrão é ladrão.

Dentro deste escopo, na sua escalada até o controle total do indivíduo – e, por extensão, da sociedade -, o governo Lula vai fechando o cerco sobre o direito natural à propriedade e à liberdade, razão de ser da própria vida humana. Assim, por exemplo, no correr dos últimos anos, um órgão como a folclórica FUNAI – Fundação Nacional do Índio -, a partir do que se tem na linguagem legisferante oficial por “Termo de Ajustamento de Conduta”, vem demarcando, arbitrariamente, como de propriedade indígena, milhões de hectares de terras povoadas e produtivas, levando ao desespero os que nela vivem, trabalham e criam riquezas.

Sim senhor: hoje, no cerco da jurisdição arbitrária que cerceia a liberdade individual e o direito de propriedade no país, a distribuição de simples portaria de uma repartição pública, muitas vezes escorada no parecer de algum antropólogo chinfrim adverso ao agronegócio – e milhares de famílias são postas ao relento pela impostura de um “ordenamento legal” ditado pela burocracia governamental. (“Ordenamento legal”, diga-se de passagem, tramado a partir das recomendações expressas pelo governo mundial da famigerada ONU - que é, de fato, quem manda no Brasil).

Na fúria legisferante do mundo orwelliano, proporcionada pela Constituição de 1988 que estendeu aos municípios o direito de legislar, a insensatez transborda o irracional. Há leis de arrepiar. Por exemplo: em Aparecida, cidade do interior de São Paulo, o prefeito José Luiz Rodrigues enviou à Câmara de Vereadores projeto no qual fica proibido a ocorrência de enchentes no seu perímetro urbano, provocadas por temporais ou por cheias do Rio Paraíba.

No Rio de Janeiro, que se acredita a “capital cultural do país”, tramita na Câmara projeto que proíbe o animal de estimação receber nomes de pessoas, com multa pesada para o dono infrator. Por sua vez, em Juiz de Fora, Minas Gerais, os cavalos e burros que transitam pelas ruas podem ser obrigados a usar fraldas, em nome da limpeza urbana. E em Esperantina, interior do Piauí, foi decretada a celebração coletiva do Dia do Orgasmo, em homenagem, segundo o prefeito, ao “clímax” das relações sexuais mantidas pelos seus habitantes.

Toda essa soma de sandices pode parecer uma coisa ridícula e, de fato, o é. Mas por trás dela se esconde o poder organizado de partidos totalitários e sistemas ideológicos que, infensos à democracia e ao Estado de direito, pretendem, pelo uso e o abuso de leis esdrúxulas, controlar a vontade do indivíduo e da própria coletividade. Na Rússia dos soviétes, por exemplo, o ato de se conversar com um estrangeiro podia terminar numa sala de interrogatório da KGB, o órgão de espionagem do regime. E em Cuba, elogiar a DGI em voz baixa numa esquina ainda hoje dá cadeia.

PS – O leitor há de convir que o completo fracasso do Brasil nas Olimpíadas de Pequim, embalado pela choradeira geral, não pode ser imputado somente à falta de sorte ou deficiência do atleta caboclo. Pode acreditar: ele faz parte do quadro geral de desagregação moral do país. Mídia sem Máscara

O autor é cineasta, jornalista, escritor e ex-Secretário Nacional da Cultura.


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