terça-feira, 3 de junho de 2008

Opinião do Estadão: O gargalo é o governo

Grandes investimentos em infra-estrutura estão novamente na agenda nacional, com grandes projetos de usinas hidrelétricas, exploração de petróleo, construção de rodovias e ferrovias, ampliação e modernização de portos já em andamento ou programadas para execução nos próximos anos. Desde os anos 80, poucos grandes empreendimentos foram iniciados. O potencial produtivo da agropecuária e da indústria cresceu nesse período, em parte por iniciativa dos empresários, em parte por necessidade, porque o mercado nacional se abriu e os produtores nacionais foram expostos à concorrência global. Mas a transformação das fazendas e das fábricas não foi acompanhada pela modernização e pela ampliação dos sistemas de transportes e de suprimento de energia. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado no começo de 2007 pelo governo, foi concebido para eliminar esse descompasso e afastar o risco de gargalos nos próximos anos. Mas, até agora, só o setor privado conseguiu avançar na execução dos investimentos - quando seus projetos não ficaram emperrados nas filas de licenciamento ambiental.

O setor de infra-estrutura deve receber neste ano investimentos de R$ 85 bilhões, segundo levantamento da Associação Brasileira de Infra-estrutura e Indústrias de Base (Abdib). No próximo ano o valor poderá chegar a R$ 100 bilhões, de acordo com o presidente da entidade, Paulo Godoy. Mas ele não discriminou, na divulgação desses números, a parte correspondente às ações previstas para o governo e a fatia do setor empresarial. Nos dois anos anteriores, de acordo com o Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada (Sinicon), as empresas privadas foram responsáveis por mais de 60% do total investido.

A parcela do governo federal tem sido certamente pouco significativa. Dos R$ 15,8 bilhões previstos para o PAC no Orçamento-Geral da União deste ano foram desembolsados apenas R$ 116,7 milhões, 0,74% do total. Outros R$ 2,8 bilhões de restos a pagar (dinheiro do orçamento de 2007) foram liquidados nesse período. Somadas as duas parcelas, chega-se a R$ 2,9 bilhões, 18,6% do total orçado para o ano, embora já tenham decorrido cinco meses.

O governo federal operou até março sem orçamento aprovado. As autoridades podem até invocar esse fato para justificar a lentidão dos desembolsos, mas a alegação não será muito convincente. Afinal, estavam disponíveis R$ 9,8 bilhões de recursos correspondentes a restos a pagar.

O governo também poderá alegar um desempenho melhor que o do ano passado na execução do PAC. De janeiro a maio de 2007, foram pagos R$ 112,9 milhões do total autorizado para o ano. Incluído o desembolso de restos a pagar, o total chegou a R$ 1,4 bilhão, menos de metade do total desembolsado nos primeiros cinco meses de 2008. Mas o PAC havia sido lançado no começo do ano e isso distorce a comparação. Ao longo do ano passado, no entanto, as deficiências na execução do programa ficaram evidentes. Dos R$ 16,6 bilhões autorizados para todo o período, foram empenhados R$ 16 bilhões e desembolsados somente R$ 4,5 bilhões, ou R$ 7,3 bilhões, incluída a parcela de restos a pagar. Em outras palavras, mesmo com a inclusão dessa parcela, os desembolsos ficaram em 43,9% da despesa orçada.

Não há muito mistério nesse quadro. O governo federal está despreparado para executar um grande programa de investimentos em infra-estrutura. Para começar, há dificuldades na elaboração de projetos, como foi reconhecido, no ano passado, pelo ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. Além disso, a burocracia federal é ineficiente e a máquina administrativa move-se muito devagar.

Enfim, o governo tropeça nos próprios pés, incapaz de coordenar as políticas de investimento e as de licenciamento ambiental. O problema não consiste em subordinar o licenciamento ao objetivo de realização de obras, mas de articular com bom senso as duas funções.

O surto de investimentos em infra-estrutura é uma boa notícia, mas será insuficiente para eliminar o risco de gargalos nos próximos anos, se o governo federal não for mais eficiente na execução de seu programa e mais ágil na análise dos efeitos ambientais dos projetos - tanto públicos quanto privados. O principal gargalo, neste momento, é o próprio governo.
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