sábado, 26 de abril de 2008

Opinião no Estadão: A triagem ética dos candidatos

Na semana passada, 21 dos 27 presidentes dos diretórios dos partidos políticos em funcionamento no Ceará assinaram um termo, na presença do presidente do Tribunal Regional Eleitoral, comprometendo-se a recomendar aos diretórios municipais que não lancem candidatos cuja conduta seja incompatível com o exercício digno do mandato.

Não é de hoje que vem à baila a necessidade de se fazer uma triagem mais rigorosa daqueles que pretendem seguir uma carreira política. Nem precisaria explicar, por motivos óbvios e notórios, o desejo da sociedade de melhorar o nível - sobretudo ético - dos que se candidatam a gerir a coisa pública, em postos de governo, ou representar os cidadãos, nas Casas legislativas. Tantos são os escândalos, os envolvimentos em falcatruas, as malversações de dinheiro público, enfim, as bandalheiras praticadas por políticos, neste país, que há até os que propõem que sejam proibidas de candidatar-se em eleições - sendo, portanto, inelegíveis - todas as pessoas que respondem a qualquer processo judicial, antes mesmo de qualquer condenação.

Essa idéia é, simplesmente, uma aberração jurídica. É princípio consagrado de Direito que todos são inocentes até que se prove serem culpados. Tanto a Constituição como a Lei de Inelegibilidades asseguram a qualquer cidadão a disputa de um cargo eletivo, mesmo que esteja sendo processado na Justiça por um sem-número de delitos, desde que ainda não lhe tenha ocorrido a condenação definitiva, da qual não caiba mais recurso.

Imagine-se se fosse quebrado, em prol da moralização dos costumes políticos (o que, evidentemente, é sempre desejável), esse princípio elementar do Estado Democrático de Direito. Qualquer um poderia eliminar seu desafeto ou adversário político de uma eleição, simplesmente ajuizando contra ele uma ação, sob qualquer pretexto. Considerando-se a morosidade de nosso Judiciário, com toda a certeza o candidato transformado em réu se tornaria inelegível, mesmo que declarado judicialmente inocente - o que de nada valeria, pois a eleição já teria passado.

Mas, se não é possível retirar das disputas eleitorais os simplesmente processados, antes da condenação, não é por isso que os partidos políticos são obrigados a receber em seus quadros e dar legenda eleitoral a toda e qualquer pessoa que se apresente. Os partidos têm a prerrogativa de, em suas convenções, de acordo com as normas eleitorais vigentes, conceder ou não legenda aos que por seu intermédio pleiteiam disputar cargos eleitorais. E assim como mandatos parlamentares podem ser cassados por quebra de decoro, sem que seu titular tenha cometido delito algum, candidatos podem ser barrados nas comissões de ética dos partidos. Ou, simplesmente, ter seu pedido de inscrição no partido negado.

Para que esse tipo de triagem ética ocorra, no entanto, é necessário que os partidos políticos não distribuam suas legendas apenas pelos critérios de potencial de arrecadação de votos ou de recursos financeiros para a campanha de seus pretendentes. Uma das razões da indiferença dos partidos à triagem ética, até recentemente, foi, sem dúvida, a infidelidade partidária. No sistema da alta rotatividade - ou do troca-troca - pelo qual os eleitos por um partido passavam para outro logo depois das eleições - sem correr risco algum de sofrer sanções -, em razão da atração às vezes irresistível emanada dos governos, as ligações entre os políticos de carreira e suas legendas eram sempre precárias. Assim, aos dirigentes de partidos não ocorria recusar a candidatura de alguém detentor de um manancial de votos ou de recursos financeiros que poderiam ser capturados por um partido adversário. Mas a Justiça, embora tardiamente, determinou que o trânsfuga perde o mandato, que pertence não ao candidato, mas ao partido pelo qual se elegeu.

Por aí já se vê que a melhor triagem dos que pretendem ingressar ou continuar na vida pública, disputando eleições, depende do filtro ético que os partidos políticos instituam e ponham em prática. Sem isso, não há moralização possível em nosso sistema político-eleitoral.
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