terça-feira, 22 de abril de 2008

Opinião do Estadão: Controle das ONGs

O governo antecipou a vigência de algumas medidas que reforçam o controle sobre o repasse voluntário de dinheiro público para organizações não-governamentais (ONGs), mas, mesmo assim, elas vêm tarde. Esses controles foram criados em julho de 2007 e deveriam estar em vigor desde janeiro, mas um decreto presidencial adiou sua vigência para julho. Em decorrência de novo decreto, assinado na terça-feira passada, parte deles entra em vigor imediatamente.

Desde já, não podem mais receber dinheiro da União as ONGs dirigidas por parentes até segundo grau de ministros, presidente da República, deputados federais, senadores e membros do Ministério Público, do Poder Judiciário e do Tribunal de Contas da União (TCU). No entanto, um importante instrumento de controle da utilização do dinheiro público pelas ONGs só entrará em vigor em julho. Trata-se da exigência de cadastramento prévio no novo sistema informatizado de controle da execução de despesas, o Siconv, que deve facilitar a fiscalização dos repasses voluntários do governo.

Com o Siconv, o governo pretende acompanhar e tornar público o uso do dinheiro que a União transfere para as ONGs, desde o momento da assinatura do convênio até a liberação da última parcela pela União. Essas informações, promete o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, estarão disponíveis num portal aberto ao público. Nele, as entidades conveniadas deverão discriminar todos os pagamentos feitos na execução do convênio.

Como medida indispensável para reduzir as irregularidades na contratação de ONGs, o TCU recomendou que a escolha da entidade seja, obrigatoriamente, precedida de "chamamento público", o que permite a seleção por meio de uma espécie de concorrência pública. O decreto presidencial não obriga, apenas autoriza a realização do "chamamento público".

Para corrigir essa lacuna, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) apresentou projeto, já aprovado em caráter terminativo pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado - ou seja, será considerado aprovado pela Casa se nenhum senador apresentar recurso para que seja votado pelo plenário -, que torna obrigatória a licitação para a assinatura de convênios entre a União e as ONGs ou entidades sem fins lucrativos.

A má aplicação de dinheiro público por meio desses convênios foi detectada pelo TCU há algum tempo. Auditoria realizada pelo TCU no fim de 2006 constatou que, numa amostra de 28 convênios firmados pela União com essas entidades, 15 apresentaram falhas graves. Elas não tinham qualificação técnica, condições administrativas e operacionais, pessoal qualificado e experiência para realizar o trabalho que lhes caberia.

Dessa constatação resultou a constituição, no ano passado, de uma CPI no Senado para investigar a questão.

Depois das investigações conduzidas pela CPI e de novas auditorias do TCU, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva baixou, em julho de 2007, um decreto destinado a reduzir as brechas para o mau uso do dinheiro público. Como ONGs vinculadas a sindicatos e a líderes sindicais movimentam muito dinheiro público, o governo foi pressionado e adiou para julho a vigência das medidas saneadoras. O que entra em vigor imediatamente é uma parte dessas medidas.

O número de convênios firmados pela União com as ONGs e entidades privadas sem fins lucrativos começou a crescer na década passada, depois da reforma do Estado e das pressões para a redução das despesas de custeio. Em vez de gastar diretamente, o governo passou a pagar para que essas entidades prestassem determinados serviços. Entre 2003 e 2007, a União pagou R$ 12,6 bilhões para 7.700 entidades privadas. Não houve, na prática, nenhuma fiscalização sobre o uso desse dinheiro, boa parte do qual beneficiou diretamente entidades vinculadas a políticos ligados ao governo. Apesar do nome, muitas ONGs só existem graças ao dinheiro público.

O governo anuncia que, com as novas medidas, poderá reduzir em até R$ 1,5 bilhão por ano os gastos com as ONGs. Mas melhor seria que o governo dispensasse totalmente o trabalho dessas entidades. Não é fácil, para o contribuinte, entender por que organizações que se dizem não-governamentais são sustentadas pelo governo.
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