Sob pressão do governo, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) aprovou a reformulação do Plano Geral de Outorgas, que proibia que uma concessionária do setor de telefonia atuasse em mais de uma área, adquirindo congêneres em outras regiões. Extinta a proibição, como recomendara o Ministério das Comunicações, está aberto o caminho para se concretizar a fusão entre a Brasil Telecom e a Oi, mediante a compra da primeira pela segunda por R$ 5,8 bilhões. A consulta pública a que a decisão será submetida por 30 dias não deverá modificá-la - e a sua entrada em vigor está prevista para agosto. A votação, no âmbito da agência reguladora, foi acidentada, tendo sofrido três adiamentos. Os conselheiros se dividiram em relação a uma regra relativa aos serviços de banda larga. Quando o Planalto fez saber que poderia indicar um conselheiro substituto - que ficaria na função por apenas dois meses e não precisaria da aprovação do Senado - para dar o voto de desempate, dois dos recalcitrantes mudaram de posição e o impasse se dissipou.
Assim, no plano das aparências, o presidente Lula poderá alegar que o seu governo não feriu a autonomia da Anatel, como declara que não se intrometeu - contra todas as evidências apresentadas pela ex-diretora da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) Denise Abreu - para assegurar a seqüência de transações que culminou com a venda da Varig para a Gol. No caso das teles, o envolvimento do governo foi exposto pelo ministro do setor, Hélio Costa. Antes mesmo que a Brasil Telecom e a Oi manifestassem interesse em se fundir, ele anunciou que isso iria acontecer, sabendo que o sistema de outorgas de concessões precisaria ser amoldado para tornar possível, do ponto de vista legal, a operação de que ninguém ainda tinha falado àquela altura. O reiterado argumento oficial de que o Brasil necessita de uma grande empresa no setor, uma supertele, para fazer frente aos conglomerados que enfeixam o sistema em escala global é um disfarce mambembe para a nítida intenção de favorecer a realização de uma transação comercial.
Esse é o dado substantivo, que se sobrepõe a eventuais polêmicas sobre as conseqüências da fusão para o País e, em especial, para a livre concorrência nessa área de ponta da economia contemporânea. Tudo indica que a desenvolta movimentação do governo é uma réplica de sua conduta no escandaloso processo da Varig. O jogo consiste, ao fim e ao cabo, em transformar a administração pública em corretora de negócios, como dissemos sexta-feira neste espaço, em que a presumível defesa do bem comum não se distingue do respaldo, este sim, efetivo, de interesses particulares familiarizados com o caminho das pedras que leva às alturas do poder federal. Essa promiscuidade assume por vezes aspectos grotescos. O exemplo da hora é o do anúncio de mais uma grande descoberta de petróleo em águas ultraprofundas da Bacia de Santos. Não foi a Petrobrás a dar a boa nova. Foi o ministro do Trabalho, Carlos Lupi - no exterior, ainda por cima.
Quinta-feira, à saída de uma reunião da ONU, em Genebra, Lupi se pavoneava de estar por dentro de um setor com o qual a sua Pasta não tem a mais remota relação. "Vocês ficarão sabendo nas próximas semanas", exibiu-se, falando das dimensões do reservatório - que, aliás, a Petrobrás não conhece. Só restou à Petrobrás confirmar o achado. Com esse deplorável pano de fundo, vem o presidente Lula produzir um destampatório contra a ex-diretora Denise Abreu e o "mau jornalismo" que acolheu as suas denúncias de interferência na Anac. O Estado foi o primeiro a publicá-las. Lula, que volta e meia assume o papel de observador da imprensa, disse que fica pensando "como é que algum jornal que acreditou (em Denise) vai sair dessa agora". Faria melhor se pensasse como ele próprio vai sair da história de intromissão e truculência no destino da Varig: decerto não será com grosserias dirigidas a quem viu de perto abater-se a mão pesada do governo nem com pretensas aulas de jornalismo.
Nem, tampouco, fingindo ignorar que o problema adquiriu outra envergadura, desde que o juiz José Paulo Magano, de São Paulo, acionou o procurador-geral da República para investigar possível "prática de ilícito penal" envolvendo a ministra Dilma Rousseff. Já que Lula aconselha aos denunciantes o "caminho jurídico", não tem do que reclamar.
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(*) Ucho Haddad Após décadas de jornalismo, a maior parte do tempo dedicado
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