segunda-feira, 16 de junho de 2008

Opinião do Estadão: Alerta contra a inflação

Os brasileiros podem esperar novos aumentos de juros nos próximos meses, segundo indicou o Banco Central (BC), mas essa não foi a pior notícia econômica da semana. Os últimos números divulgados não permitem a menor dúvida: a onda de aumento de preços é cada vez mais forte e atinge um conjunto crescente de bens e serviços. O custo de vida volta a subir com rapidez, e a inflação, mantido o rumo atual, passará bem acima do centro da meta, fixado em 4,5%. Nos 12 meses terminados em maio, chegou a 5,88% o aumento do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), usado como referência para a política oficial.

Essa informação foi distribuída na quinta-feira de manhã. No mesmo horário começou a circular a ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). O texto explica a nova elevação de juros, decidida uma semana antes, e apresenta um comentário sobre as perspectivas da economia e dos preços.

Segundo alguns economistas, a ata saiu desatualizada, porque os diretores do BC teriam sido surpreendidos pelos novos dados do IPCA e da primeira prévia do IGP-M de junho, divulgada também na quinta-feira. Não tem sentido falar em surpresa. O BC havia sido o primeiro a apontar a aceleração do aumento de preços, perceptível já no ano passado, e vários índices vêm mostrando, há semanas, o agravamento do problema. Não há semana sem divulgação de algum indicador.

A Ata do Copom mostra claramente a piora do quadro e, além disso, contesta com vigor não só as opiniões do ministro da Fazenda, Guido Mantega, mas também as análises publicadas pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e por outras entidades empresariais.

Os autores da ata reconhecem a expansão do investimento, mas, segundo eles, a capacidade produtiva ainda não cresce em ritmo suficiente para neutralizar a pressão da demanda. Essa tese é repetida várias vezes no texto e não é apresentada apenas com palavras.

Segundo a CNI, as empresas têm conseguido produzir mais sem elevar o nível de utilização da capacidade instalada. De acordo com boletim da Confederação, esse indicador ficou em 83,2% em abril, pouco abaixo do nível de novembro, 83,3%. Produzir mais com uso igual ou menor da capacidade instalada é um dos efeitos benéficos do investimento e uma segurança contra pressões inflacionárias. Mas o BC contesta esses números. Seus técnicos tomaram os dados brutos da CNI, eliminaram os efeitos sazonais com os próprios critérios e encontraram um aumento de 82,4%, em março, para 83,4%, em abril.

Com base nessa e em outras informações mencionadas na ata, os economistas do BC concluem: o uso da capacidade produtiva mantém-se em "níveis historicamente elevados", apesar do "aumento substancial do volume de investimentos". A margem de segurança, portanto, é menor do que aquela apontada pela indústria. Como o ministro da Fazenda tem tomado carona, várias vezes, nas análises divulgadas pelas entidades empresariais, também ele é atingido pela crítica.

Também não se pode falar apenas de inflação importada e alimentada por aumento de custos, segundo os autores da ata. Em várias passagens eles apontam a forte demanda interna como fator de elevação de preços. Esse fator facilita o repasse de aumentos do atacado para o varejo, isto é, para os consumidores finais. Esse repasse ficará mais fácil, advertem, se as expectativas piorarem. Eles não se referem, obviamente, só às expectativas do setor financeiro, mas ao estado de espírito de produtores, comerciantes e consumidores. Este é um dado bem conhecido pelos brasileiros adultos, com experiência da inflação anterior a 1994. Como a demanda continuará intensa, alimentada pelo crédito, pelos salários e pelas transferências governamentais, será preciso manter uma vigorosa política monetária, avisam os dirigentes do BC. Nenhuma surpresa.

Os empresários protestaram contra a última elevação de juros e continuarão protestando nos próximos meses. Só não podem acusar o BC de negligência. Afinal, é o único agente do setor público seriamente empenhado em barrar a onda inflacionária. O presidente da República, até agora, não foi além de recomendações vagas a seus ministros, e estes não fizeram mais do que repetir o discurso do chefe. Um freio para valer no gasto público permanece fora de consideração em Brasília. Sobra a ação do Copom.
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