O presidente Lula diz uma coisa e faz outra. De um lado, comparou a uma ''laranja sem caldo'' o depoimento de 8 horas da ex-diretora da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) Denise Abreu, que acusa a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, de tê-la pressionado para que não criasse caso com a suspeita composição societária da firma formada para comprar a VarigLog e depois vender a Varig. Lula afirmou ainda que a publicação da denúncia - motivo do convite para Denise depor - não passou de ''mau jornalismo''. De outro lado, mandou ninguém menos do que o seu chefe de gabinete, Gilberto Carvalho, assumir prioritariamente a responsabilidade pela defesa do governo no caso. A escolha é eloqüente. Não só pela posição que ocupa no organograma do centro do Poder Executivo, como o guardião de última instância do acesso ao presidente da República, ele é também o derradeiro remanescente, na cúpula do governo, da velha guarda lulista, em que o Primeiro Companheiro deposita inabalável confiança.
Eis por que é puro fingimento - ou seria um exemplo do ''lado virtuoso da hipocrisia''? - o desdém com que Lula reagiu em público às declarações de Denise no Senado, onde ela não se deixou intimidar pela estudada contundência das tentativas da base governista de desqualificá-la pessoalmente para desacreditar o seu reiterado relato. Já na sua nova incumbência, Carvalho tomou a si o difícil desafio de provar que o advogado Roberto Teixeira, o compadre de Lula, que durante nove anos deu um apartamento para ele morar em São Bernardo do Campo - além de participar de algumas de suas ágeis transações imobiliárias na mesma cidade -, não foi o homem-chave na operação que desembocou na compra da Varig pela Gol. (Carvalho é quem terá literalmente aberto a porta do gabinete presidencial para o seu ocupante receber os novos donos da Varig, logo que o negócio se consumou, devidamente acompanhados por Teixeira, como se vê na histórica foto para a qual posaram.) Na discutível versão de Carvalho, as coisas não se misturam.
''A nossa regra é muito clara'', assegura. ''Parente e amigo, aqui, passam por uma peneira de fio duplo.'' ''Se o presidente não fez nada pelo irmão'', pergunta, ''por que há de fazer pelo compadre?'' A comparação é absurda. Genivaldo Inácio da Silva, o Vavá, investigado ano passado pela Polícia Federal, é de uma desimportância atroz. ''Arruma dois pau pra eu'', mendigou certa vez, numa conversa gravada. Já Teixeira é o pivô de jogadas bilionárias na aviação comercial. No lance na ordem do dia, a sua influência ''foi 100% decisiva'', disse ao Estado o empresário Marco Antônio Audi, um dos três brasileiros ligados ao fundo americano de investimentos que adquiriu a VarigLog e a Varig. Audi, que será ouvido amanhã no Senado, disse que pagou US$ 5 milhões pelos serviços de Teixeira. Ele nega. Sobre as relações entre ambos, o chefe de gabinete de Lula enfatiza que ''o governo não tem nada com isso''. Decerto não tem. A questão, porém, é outra: a promiscuidade deste governo com apetites empresariais em setores submetidos à regulação do Estado, como o da aviação civil.
Não se trata das velhas relações de compadrio - no sentido que a ciência política dá ao termo - entre governantes corruptos e os endinheirados que os ajudaram a se eleger para isso mesmo. Hoje em dia, a corrupção do princípio da impessoalidade das decisões do Executivo se reveste da defesa do bem comum - ''salvar'' a Varig, por exemplo. É o estágio superior, pode-se dizer, das parcerias espúrias entre o público e o privado, quando ''inteligência e rapidez se sobrepõem às leis e normas na definição de negócios'', nas palavras do advogado americano Mark Palmer, em mensagem a Lap Chan, do fundo americano, lembrado domingo no caderno Aliás deste jornal pelo professor Francisco Foot Hardman, da Unicamp. Na mesma edição (pág. A02), o cientista político Sérgio Fausto escreveu que ''a corrupção tende a aumentar onde e quando a riqueza pública e privada aumenta (como no Brasil de hoje) sem que as instituições jurídicas e políticas se fortaleçam''. Essa tendência se intensifica quando o Estado intervém na economia ''de modo discricionário e não sob o crivo de normas claras''.
Naturalmente, existindo vínculos pessoais entre o chefe do Estado e o operador escolhido pelos agentes econômicos interessados na intervenção, tudo fica mais fácil.
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(*) Ucho Haddad Após décadas de jornalismo, a maior parte do tempo dedicado
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