sábado, 5 de julho de 2008

Opinião do Estadão: O impacto do êxito de Uribe

No centro das atenções da mídia mundial desde a sua libertação do cativeiro de seis anos e meio das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), a ex-senadora Ingrid Betancourt já não provoca apenas sentimentos de compaixão e solidariedade. O seu comportamento autopromocional e a sua aparência surpreendentemente saudável - contrastando com a imagem de prostração e debilitamento divulgada em fins do ano passado, personificando os horrores da narcoguerrilha - deixaram a imprensa à vontade para rememorar não só as circunstâncias em que se deu o seu seqüestro, mas também, correlatamente, a sua grotesca candidatura a presidente da República em 2002 por um partido, não menos grotesco, chamado Oxigênio.

Não fosse o seu seqüestro, as suas aspirações presidenciais teriam merecido, se tanto, uma nota de rodapé na crônica da convulsionada política colombiana. Ficaria uma vaga lembrança do histrionismo de comparar a corrupção em seu país à aids e de adotar como símbolos de campanha uma camisa-de-vênus, com o slogan "Proteja-se" e o remédio Viagra - nada que fizesse a sua popularidade ir além de um par de pontos de porcentagem nas pesquisas. Ciente da própria irrelevância eleitoral, ocorreu-lhe apelar para uma forma temerária de autopromoção - fazer campanha na região de San Vicente del Caguán, no sul da Colômbia, notório reduto das Farc. Quaisquer que tenham sido, à época, as suas expectativas sobre os resultados do lance oportunista, a verdade é que ela praticamente se entregou aos bandidos.

Com isso, produziu-se um caso exemplar de conseqüências indesejadas. Mais do que o lugar que ocupava no cenário colombiano, mais até do que o fato de ser mulher, a sua dupla nacionalidade e os vínculos familiares com a França deram dimensão internacional à tragédia que passaria a viver, por um imenso erro de cálculo. Acabou bem, felizmente - e seria desumano não festejar o desfecho triunfal da desventura, mesmo encarando com desconfiança o "estrelismo" político que vem exibindo sua protagonista. De todo modo, logo que empalidecerem as luzes de sua fama, se desenhará com nitidez a nova equação política, na Colômbia e na América do Sul, resultante do formidável triunfo do presidente Álvaro Uribe com a operação espetaculosa do resgate de Ingrid e outros 14 reféns.

Ele não precisa de um terceiro mandato - e é de desejar ardentemente que não se disponha a buscá-lo - para ter assegurado o seu lugar na história da Colômbia e da América Latina, como o líder que destruiu a mais odiosa das organizações terroristas que se formaram nesta parte do mundo sob o patrocínio de Fidel Castro - e, depois, de Hugo Chávez - e que chegou a formar um Estado dentro do Estado colombiano. Numa região infestada de antiamericanismo primário, Uribe ousou firmar uma sólida aliança com Washington para dar combate ao narcotráfico e ao terrorismo - as duas faces de um mesmo inimigo mortal. Agora, com as Farc nos estertores e Uribe no apogeu, Chávez e seu adepto equatoriano Rafael Correa são os grandes derrotados na arena ideológica regional.

Chávez foi diretamente atingido pelas evidências, registradas no computador que pertencia ao número dois das Farc, Raúl Reyes, morto pelas forças colombianas em território equatoriano, de lhes fornecer armas e dólares. Hoje, chama Uribe de "irmão", depois de ter-se dissociado da organização, anunciando, há algumas semanas, que "a esta altura, na América Latina, um movimento guerrilheiro está fora de lugar". Foi o que disse anteontem, quase com as mesmas palavras, o presidente Lula, ao comemorar o feito do Exército colombiano. Só não tem o menor cabimento ele aconselhar as Farc a "participar do jogo democrático". No momento em que se demonstra "ao vivo" que a narcoguerrilha está em seus estertores finais, não tem sentido fornecer-lhe um balão de oxigênio.

Mas, pior do que o "conselho" de Lula, é a fantasia de que a Colômbia e as Farc podem se reconciliar, para usar um termo do próprio Lula, endossando nota do Itamaraty. "Reconciliação de quem com quem?", pergunta o ex-embaixador do Brasil em Washington Roberto Abdenur. "De um país de 47 milhões de habitantes com um pequeno grupo que age pela força? É tratar as Farc como se fossem representantes legítimas de uma parte expressiva da Colômbia."

A política de Uribe desfruta, neste momento, do apoio de 91% dos colombianos.
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