segunda-feira, 30 de junho de 2008

Opinião no Estadão: Amizades de risco

Carlos Alberto Di Franco

Assinada pela jornalista Mariana Barbosa, reportagem do jornal O Estado de S. Paulo (22/6) dá conta de que, efetivamente, o advogado Roberto Teixeira ganhou bem mais do que os US$ 350 mil que admitia ter recebido para intermediar a operação de compra da Varig. A repórter, como manda o bom jornalismo, não apenas documentou o pagamento de US$ 3 milhões ao advogado e compadre do presidente Lula como obteve do próprio Teixeira a comprovação de que ele recebeu, sim, os magníficos honorários. Essa notícia, que demonstra que o advogado tinha mentido para o País, dá nova dimensão ao caso.

Na segunda-feira, dia 23, um pouco mais de luz foi projetada nas sombras que envolvem o caso Varig. Segundo reportagem da Folha de S.Paulo, a Presidência reconheceu que Roberto Teixeira esteve ao menos seis vezes no Planalto com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seu compadre, desde 2006, em encontros não registrados na agenda pública de Lula.

O advogado, como se sabe, é acusado de influir na aprovação da venda da VarigLog ao Fundo Matlin Patterson e a três sócios brasileiros, em junho de 2006. Teixeira dissera não ter falado com Lula no período em que o negócio foi fechado e ter estado com ele "raramente" após a eleição. Ao contrário do que disse, ao menos dois encontros estão ligados à venda da VarigLog. Teixeira foi ao Planalto com os novos donos da Varig em dezembro de 2006 e, em março de 2007, esteve lá com os proprietários da Gol, compradora da Varig.

A assessoria de Roberto Teixeira confirmou os encontros e disse que a maioria foi de "cortesia". O Palácio do Planalto disse não divulgar todos os compromissos do presidente. Estamos, mais uma vez, assistindo ao triste espetáculo de suposta relação promíscua entre governantes e pessoas interessadas em negócios no âmbito do governo.

Em conversa com estudantes, em São Paulo, fui abordado por um universitário. Seus olhos emitiam um sinal de desalento. "Não adianta o trabalho da imprensa", disse de supetão. "A impunidade venceu." Confesso, amigo leitor, que meu otimismo natural estremeceu. Não se tratava do comentário de alguém situado no lusco-fusco da existência. Não. Era o lamento de quem está nascendo para a vida. Por uns momentos, talvez excessivamente longos, uma pesada cortina toldou o meu espírito. Acabei reagindo, pois acredito na imensa capacidade humana de reconstruir a ordem social. Estou convencido de que os países construídos sobre os valores da verdade e da liberdade têm demonstrado maior capacidade de superação. E o Brasil, não obstante os reiterados esforços de implosão da verdade, ainda conserva importantes reservas éticas. Escrevo, por isso, aos homens de bem. Eles existem. E são mais numerosos do que podem imaginar os atuais detentores do poder.

Escrevo aos políticos que ainda acreditam que a razão de ser do seu mandato é um genuíno serviço à sociedade. Escrevo aos magistrados, aos membros do Ministério Público, aos policiais, aos servidores do Estado. Escrevo aos educadores, aos estudantes, às instituições representativas dos diversos setores da sociedade. Escrevo aos meus colegas da mídia, depositários da esperança de uma sociedade traída por suas autoridades. Escrevo, enfim, ao meu jovem interlocutor. Quero justificar as razões do meu otimismo. O Brasil está, de fato, passando por uma profunda crise ética. A corrupção, infelizmente, sempre existirá. Ela é a confirmação cotidiana da existência do pecado original. Mas uma coisa é a miséria do homem; outra, totalmente diferente, é a indústria da corrupção. Esta, sem dúvida, deve e pode ser combatida com os instrumentos de uma sociedade democrática.

A simples leitura dos jornais oferece um quadro assustador do cinismo que se instalou nas entranhas do poder. Os criminosos, confiados nos precedentes da impunidade, já não se preocupam em apagar as suas impressões digitais. Tudo é feito às escâncaras. Quando pilhados, tratam de desqualificar a importância dos fatos. Atacam a imprensa e lançam cruzadas contra suposto prejulgamento. Mente-se com o mesmo cinismo do futebolista que nega a clamorosa evidência de um pênalti redondo.

E o presidente Lula, amigo e compadre de Roberto Teixeira? Sua reação, tendo em conta inúmeros precedentes, é de uma previsibilidade acachapante. Sua Excelência, invariavelmente, percorre o mesmo itinerário. Nada sabe e nada vê. Acuado pela força irresistível dos fatos, declara-se traído. E, num recorrente jogo verbal, finge desconhecer a gravidade dos episódios. Crime, na surpreendente lógica presidencial, é erro. O curioso silogismo de Lula é gravíssimo, pois está esgarçando a consciência ética da sociedade. O exemplo que vem de cima sempre tem conseqüências. Para o bem ou para o mal. Na verdade, a opção do presidente da República, triste e lamentável, foi feita há anos em Paris. Pressionado pela crise do mensalão, Lula negava o óbvio. Questionado, então, sobre o caixa 2, disse que o PT só tinha feito o que era feito sistematicamente no Brasil. Falando claro: o presidente da República renunciou ao seu papel constitucional, avalizou a prática do crime e, no mínimo, foi leniente.

Há em todos nós um instinto de autenticidade. O cidadão honrado sabe confrontar o brilho do olhar limpo com a mirada opaca dos cínicos. O povo pode até ser enganado. Mas um dia, talvez antes do que se pensa, a casa desabará. "O que acontecerá", escrevia Nietzsche, "quando cair a máscara?" Não ficará "mais do que um espantalho". A advertência do filósofo é de grande atualidade. Está dirigida aos homens que caminham de costas para a verdade.

Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo, professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco - Consultoria em Estratégia de Mídia

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