segunda-feira, 14 de julho de 2008

Opinião do Estadão: Mais um trem da alegria

Agindo na surdina, a Mesa Diretora do Senado aproveitou sua última reunião antes do início do recesso parlamentar, realizada na quarta-feira, para promover mais um "trem da alegria". Desta vez, ela se excedeu em generosidade, autorizando a contratação, sem concurso público, de 97 novos funcionários para ocupar cargos de confiança, com salários brutos de R$ 9.979,24. A medida, que foi tomada meses antes da realização de um concurso público para a seleção de 150 novos funcionários de nível técnico e superior, acarretará um aumento anual de R$ 12,5 milhões na folha de pagamento do Senado, sem contar horas extras e encargos sociais.

Cada um dos 81 senadores terá direito de nomear quem bem entender para ocupar o cargo recém-criado. E também poderá dividir esse salário entre o número de assessores que quiser contratar para trabalhar em seu gabinete ou nos escritórios políticos que mantém em seus Estados de origem.

Mais acintoso ainda é o fato de que não haverá nenhum obstáculo legal à contratação de mulheres, filhos, pais, sobrinhos e apadrinhados. Os outros 16 cargos de confiança serão divididos entre os líderes partidários. Há quatro meses, os senadores apresentaram essa reivindicação ao presidente da Casa, Garibaldi Alves (PMDB-RN), que a rejeitou sumariamente. Apresentada a proposta à Mesa, o único a votar contra foi o presidente do Senado.

A iniciativa é tão imoral que nenhum líder partidário nem os 11 integrantes da Mesa Diretora do Senado tiveram coragem de assumir a responsabilidade por ela. O único que tentou justificar o novo "trem da alegria" foi o líder do governo, senador Romero Jucá (PMDB-RR). "Se a Câmara ganhou uma estrutura maior, por que não temos direito?", disse ele. Para o parlamentar, sempre que a Câmara aumenta a verba de gabinete dos deputados, o Senado faz o mesmo. É uma "praxe", afirma o diretor-geral da Casa, Agaciel Maia.

"Não há explicação convincente. A decisão é inoportuna e não vai ser assimilada pela sociedade, deixando o Senado numa situação ruim. E não foi por falta de advertência", rebateu o senador Garibaldi Alves (PMDB-RN). "Ela era totalmente desnecessária. Um cargo a mais ou um cargo a menos em cada gabinete não faz a menor diferença", disse o senador Pedro Simon (PMDB-RS), após afirmar que irá à tribuna do plenário para apelar aos integrantes da Mesa Diretora para que anulem a decisão.

A contratação sem concurso público é só um dos aspectos da indecência. O outro é a falta de argumentos plausíveis que justifiquem a nomeação de mais assessores para os senadores. Cada senador já dispõe de 12 cargos de livre indicação - 5 assessores técnico-legislativos, 6 secretários parlamentares e 1 motorista. Além disso, tem à sua disposição mais 9 funcionários de carreira do Senado, concursados. "A medida está na contramão do necessário. Não se pode afirmar que falte assessoria ao Senado", diz o sociólogo Ricardo Ismael, da PUC/RJ. "Nossos representantes já têm um staff numeroso e recursos mais do que suficientes para cumprir suas obrigações legislativas. É mais poder para os parlamentares. E é um gasto a mais que não se justifica", afirma o cientista político Lúcio Rennó, da Universidade de Brasília (UnB).

Além de mais cargos comissionados, há muito tempo o Senado vem desperdiçando vultosas quantias de recursos públicos com contratações para cargos que pouco têm a ver com suas atribuições legislativas. Para divulgar suas atividades e "prestar contas" à sociedade, nos últimos anos a Casa expandiu seu sofisticado sistema de comunicação, que conta com agência de notícias, editora de publicações, rádio e até televisão, contratando dezenas de jornalistas, redatores, locutores, produtores multimídia, diagramadores e "analistas de comunicação social".

Ou seja, em vez de reforçar sua assessoria técnica nas atividades-fim, expandindo o número de assessores jurídicos, analistas legislativos e especialistas em orçamento e finanças públicas, os senadores vão convertendo os recursos humanos e financeiros à sua disposição em instrumento político que lhes garanta a reeleição ou lhes permita vôos eleitorais ainda mais altos.
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