quinta-feira, 17 de julho de 2008

Opinião do Estadão: ''Atos de insubordinação'' na PF

A decisão da cúpula da Polícia Federal (PF), determinada pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, de afastar da Operação Satiagraha o delegado Protógenes Queiroz - e que levou também ao afastamento de seus colaboradores mais próximos, os delegados Carlos Eduardo Pellegrini Magro e Karina Murakami Souza -, confirmou a procedência dos protestos diante do espalhafato e, mais do que isso, das irregularidades praticadas pelo condutor da investigação centrada na figura do banqueiro Daniel Dantas. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, foi o crítico mais contundente da conduta de Protógenes, porém não o único. O próprio Tarso Genro, embora com o cuidado de elogiar o trabalho de apuração da PF, envolvendo 300 agentes, fez reparos públicos ao comportamento do delegado.

A lista de suas impropriedades - ou "atos de insubordinação", como foram consideradas em Brasília - é alentada. Além da filmagem das detenções, do pedido de prisão de uma jornalista que revelara a operação em curso, da recusa ilegal aos advogados do seu direito de tomar conhecimento do que houvesse sobre os seus clientes no inquérito e dos vazamentos em cascata de gravações protegidas pelo sigilo, pesou decisivamente contra ele, na hierarquia da corporação, o seu pouco-caso em relação aos superiores - praticamente os últimos a saber de suas iniciativas. A pior delas, do ponto de vista institucional, foi a de envolver na investigação, sem autorização de quem fosse, quadros da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Eles acabaram tendo acesso a dados sob segredo de Justiça. Por essas razões, Protógenes é alvo de uma sindicância administrativa e de uma representação na corregedoria da PF.

A reiteração das evidências de que ele foi longe demais é importante para desmoralizar inevitáveis teorias conspiratórias segundo as quais o seu desligamento da Operação Satiagraha não passaria de uma operação-abafa em benefício do potentado Daniel Dantas e dos demais investigados por crimes como desvio de recursos públicos, evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Mas o desmentido cabal de que se desejaria esvaziar o inquérito contra a patota só virá com a designação de um novo responsável que, à diferença do primeiro, tenha de competência técnica o que esse tinha de queda pela pirotecnia. Mesmo porque a leitura atenta do que vazou até agora do material reunido pela PF autoriza a conclusão de que nada, até aqui, contribuiu tanto para dificultar a condenação dos acusados quanto a monumental incompetência dos que comandaram, até agora, a Operação Satiagraha. Com a substituição desse comando a PF espera, em primeiro lugar, evitar um desfecho melancólico do inquérito. Não bastasse essa preocupação, o organismo e o próprio governo estão às voltas com uma ameaça vinda do interior da corporação.

Como este jornal divulgou ontem, pelo menos 450 delegados endossaram um manifesto não só de "apoio total e irrestrito" a Protógenes e seus colaboradores, mas ainda pedindo "punição" para o o titular do STF, Gilmar Mendes, por "graves ofensas" contra a PF. Eles o acusam de colocar em risco nada menos do que "a estabilidade da magistratura e a ordem legal do País". Eis, portanto, uma crise em gestação impossível de ignorar. Se o responsável pela Operação Satiagraha foi afastado por "atos de insubordinação", que outro termo se aplicaria ao manifesto? Os seus autores pretendem entregá-lo ao diretor-geral do órgão, delegado Luiz Fernando Correa (que, em meio à crise, saiu em férias), e ao ministro Tarso Genro. Se mantiverem a intenção e a audiência lhes for dada, só restará aos destinatários, a rigor, receber o papel e dar voz de prisão aos seus subscritores.

O governo não merece essa atribulação, logo agora que o titular da Justiça e o do Supremo, reunidos com o presidente Lula, tiveram a sensatez de calar as divergências recíprocas e firmar um "pacto republicano" para reduzir a margem de arbítrio dos agentes públicos aos quais os cidadãos se vejam expostos. Mendes tem se batido por uma nova lei de abuso de autoridade, no lugar do desatualizado texto em vigor desde 1965. Lula encampa a idéia - na reunião, tomou a iniciativa de citar como exemplo de abuso a operação da PF na casa do empresário Eike Batista, na semana passada. "Iniciamos um novo ciclo", anunciou Genro, "menos de debate público e mais voltado para o trabalho e a proposta."

P.S. - Este editorial já estava composto quando o presidente Lula declarou que o delegado Protógenes deve permanecer na operação Satiagraha até o final da investigação.
Share/Save/Bookmark

Nenhum comentário: