terça-feira, 15 de julho de 2008

Lei Seca - Punição Legal: ‘Aparecer na TV’

José Osmar de Araújo

A lógica confrontada. A punição humilhante.

A recente lei editada, estabelecendo a alcoolemia zero e impondo penalidades mais severas para o motorista flagrado conduzindo veículo sob a influência do álcool, olhada pelo ângulo do politicamente correto, é inatacável.

Contudo, trata-se, na verdade, de um daqueles exageros legislativos, onde pesa mais a emoção do que a racionalidade.

No País do “Fernandinho Beira-Mar”, dos morros cariocas onde a Polícia não pode entrar (aliás, ninguém pode entrar, se não estiver devidamente autorizado pelas “autoridades” dirigentes de boca-de-fumo), a lei que alterou o Código Brasileiro de Trânsito quer estabelecer o paraíso por decreto, criando um mundo sem acidentes de trânsito.

O Estado, que pretensamente quer erradicar o uso de bebidas alcoólicas, mas nada faz no sentido de regulamentar melhor a propaganda das indústrias de bebidas e prazerosamente recolhe os impostos inerentes a esse comércio, só consegue – aliás, como sempre – prejudicar o cidadão.

A nova lei Impõe agora ao cidadão/condutor multa pesadíssima e o recolhimento de sua carteira de habilitação pelo prazo de um ano.

No que se refere ao recolhimento da habilitação e à proibição de dirigir veículos automotores, esta é uma pena que não espelha a realidade dos nossos dias. Veja-se que não há transporte público digno desse nome na maioria de nossas cidades e o prejuízo – não previsto na lei como pena – que será imposto ao “apenado” que necessite de sua habilitação para dirigir em razão de seu trabalho, de sua sobrevivência.

Mas essa violência legal ainda é tolerável, neste País de tantas bobagens legislativas.

O estupro da Constituição Federal e das leis ocorre quando da prisão em flagrante do condutor que, submetido ao bafômetro, alcance um determinado índice de concentração de álcool por litro de sangue.

Quando isso ocorre, o cidadão, agora alçado à condição de criminoso pela lei nova, é conduzido a uma Delegacia de Polícia e, pior, é exibido nos noticiários de televisão como sendo um bêbado perigoso conduzindo um veículo, mesmo se se tratar de um motorista que, tendo bebido duas taças de vinho (ou outra bebida qualquer) durante o seu almoço, dirija de volta ao trabalho ou para sua residência de forma absolutamente normal.

O (mau) uso político que se pode dar à lei é evidente: basta ao mandatário da região mandar vigiar seus adversários diuturnamente e, quando estes saírem de um bar ou restaurante, prendê-los à luz das câmeras televisivas da imprensa previamente avisada.

O problema ocorre também em relação à proibição de porte de armas de fogo. O bandido usa suas armas de fogo para praticar crimes ou para proteger sua atividade criminosa, e dificilmente é punido por isso, como no caso dos traficantes do Rio de Janeiro.

O cidadão honesto, vítima da criminalidade que vigora em nossas ruas, se flagrado portando uma arma para sua defesa, será inapelavelmente preso e processado.

Como disse, o cidadão comum nada pode. Aliás, pode sim. Pode ser humilhado, proibido de usar seu meio de transporte, etc. Além de arcar com os valores elevados da pena de multa.

Guardadas as devidas proporções, penso ser a mesma coisa que acontece em relação a acidentes de trânsito. Entre um motorista cauteloso, que respeita a sinalização de velocidade, por exemplo, e um outro que costuma exagerar na velocidade (infelizmente são muitos os casos...), qual a diferença?

É a mesma diferença, penso eu, entre um motorista que beba moderadamente e aquele outro que passa o dia inteiro no bar entupindo-se de bebidas alcoólicas e depois toma seu veículo para, ziguezagueando no trânsito, voltar para sua casa.

A bobagem legal, e o espetáculo ridículo que expõe cidadãos vitimados (vitimados, sim!) pela nova disposição do Código de Trânsito, somente serve para humilhar pessoas. Sempre haverá algum cérebro lobotomizado que pensará: “É isso mesmo! Cadeia neles!”

A referida bobagem parte do princípio que a cadeia tudo conserta. Sabemos que não é assim.

A realidade é que, se todos os criminosos perigosos que estão soltos fossem presos, não haveria presídios suficientes para eles. Encarando-se as coisas por esse raciocínio, resta patente que a tal prisão daquele que é flagrado com o, agora, criminoso índice de álcool no sangue, nada mais é do que a “punição” travestida de humilhação pública nas Tvs.

José Osmar de Araújo é procurador de Justiça.
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Um comentário:

Unknown disse...

muito bom o seu comentário, passei por essa humilhação, foi péssimo para mim.