quarta-feira, 16 de julho de 2008

Felizes para sempre

Eliane Cantanhêde

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva é um homem de sorte e de enorme senso de oportunidade. Quando pega fogo no PT, ele vira as costas. Quando as labaredas chegam ao Planalto, não viu, não sabia. Quando há uma crise em outra esfera, vira de frente, vê, sabe e ainda consegue dar um jeito de tirar uma casquinha.

Foi assim que, depois de trocarem desaforos em público, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, e o ministro da Justiça, Tarso Genro, foram trocar de bem em privado: no gabinete presidencial e na presença do ministro da Defesa, Nelson Jobim, que já presidiu o STJ antes de Gilmar e é gaúcho como Genro.

Enquanto eles se reuniam para lavar roupa suja, veio a notícia: quem pagou o pato foi o tal delegado Protógenes Queiroz, imbuído do espírito do bem contra o mal e responsável pelo inquérito que jogou o banqueiro Daniel Dantas no meio do fogo, incendiando o país. Daniel Dantas está muito bem, obrigado. O delegado foi mandado "estudar", abandonando o processo e a confusão.

E, assim, chegamos ao chamado "final feliz": ninguém mais fala em Daniel Dantas, em desvios, em tráfico de influência, em formação de quadrilha; o delegado enfim se recolheu (ou melhor, foi recolhido) ao seu devido lugar; e Gilmar e Genro fazem juras de amor eterno.

Passada a reunião no Planalto, outra coincidência.

Na Record News, Gilmar e Genro anunciavam ao vivo a intenção de acabar com a "espetacularização" e os "abusos dos agentes públicos", reforçando as defensorias públicas para tornar a justiça mais justa (igualando assim, via defensorias (?!), o tratamento de ricos e pobres....)

Simultaneamente, na TV Globo, uns bandidos pés-de-chinelo de Alagoas desfilavam pelo vídeo devidamente algemados e empurrados pela polícia.

É sempre um deus-nos-acuda quando um grandão qualquer aparece algemado na TV. Mas ninguém reclamou, ninguém falou em "espetacularização", nem em "abuso do poder", nem em "Estado Democrático de Direito" quando os algemados eram uns quaisquer alagoanos.

Prender, algemar e deixar filmar Daniel Dantas, Naji Nahas e Celso Pitta foi um verdadeiro escândalo, que revirou os Poderes da República. Prender, algemar e deixar filmar os suspeitos de adulteração de gasolina, ou algo assim, lá no Nordeste foi apenas parte da rotina policial e da vida nacional.

Na outra encarnação, não queira ser alagoano, nem delegado, nem um qualquer à espera de melhorias nas defensorias públicas. Acerte logo com o Todo-Poderoso para vir de banqueiro e ter 90% do caminho andado para se acertar com as autoridades de carne e osso.

Eliane Cantanhêde é colunista da Folha, desde 1997, e comenta governos, política interna e externa, defesa, área social e comportamento. Foi colunista do Jornal do Brasil e do Estado de S. Paulo, além de diretora de redação das sucursais de O Globo, Gazeta Mercantil e da própria Folha em Brasília.

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