domingo, 2 de novembro de 2008

Opinião do Estadão: A nova teoria de Lula

Na primeira vez em que foi solicitado a falar da crise do sistema financeiro internacional, quando a sua virulência apenas começava a se manifestar, o presidente Lula, entre irritado e arrogante, mandou o repórter curioso "perguntar pro Bush". Aqui não havia crise. Depois, quando já não podia pairar dúvida alguma sobre o alcance mundial do "tsunami" que teve seu epicentro em Wall Street, limitou-se a admitir que, se chegasse a produzir efeitos sobre a economia brasileira, seria no máximo como uma "marola". Mesmo quando o governo já começava a tomar as primeiras medidas contra o estrangulamento do crédito, liberando parte dos depósitos compulsórios em poder do Banco Central (BC), Lula se queixava dos críticos da sua atitude "poliana", argumentando que não era papel do presidente fazer prognósticos pessimistas. Como se dourar a pílula a fizesse menos indigesta.

De seu lado, enquanto o titular do BC, Henrique Meirelles, não escondia a sua inquietação com os inevitáveis desdobramentos domésticos da crise global, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, fazendo pouco-caso da inteligência do público mais bem informado, insistia em minimizá-los, distribuindo projeções de um irrealismo a toda prova sobre a trajetória do PIB no próximo ano - expansão de 4% a 4,5%. Só agora o ciclo de negação e hipocrisia parece ter-se esgotado. No mesmo dia - na terça-feira - o ministro e o seu chefe abandonaram - de formas diferentes - o manto diáfano da fantasia. Enquanto numa reunião com líderes de bancada do Congresso Nacional, Mantega usou o termo "devastadora" para qualificar a crise, o presidente, falando num evento em Salvador, na Bahia, reconhecia, enfim, que a sua duração e conseqüências são "imprevisíveis".

Mas, para não admitir, pura e simplesmente, que sua "inadvertência" inicial era fruto de uma impressionante desinformação sobre o processo de formação da "bolha" do "subprime", num momento em que sobre seu estouro só havia dúvidas quanto à data, Lula como que nacionalizou o problema, ao responsabilizar pela contaminação da economia brasileira, cuja imunidade ele começara por garantir, a ganância de empresas brasileiras. A economia brasileira reunia, sim, condições para não ser tão afetada pela crise. "Nós trabalhamos honestamente durante seis anos para colocar a economia brasileira num padrão de economia respeitável no mundo inteiro"(....) "E por que estamos vivendo sinais de crise? Porque alguns setores da economia brasileira resolveram investir numa coisa chamada derivativos (...) para ganhar um pouco mais (...) de forma eu diria ilícita." Trata-se, evidentemente, de, no mínimo, uma desculpa esfarrapada para o erro inicial. Mas antes assim. Pior seria persistir nele.

O importante é que a admissão de que o Brasil está longe de ser invulnerável ao descalabro global dá substância à exortação de Lula pela reabilitação da política diante do mercado, "não para o Estado se intrometer na economia, mas para regular o sistema financeiro". É o que está na agenda mundial.

A "hora da política" invocada pelo presidente já começou a soar em Brasília - exatamente a partir da constatação de que a crise obriga a negociações produtivas entre governo e oposição. Graças a isso, a Câmara aprovou a MP 442, que autoriza o BC a socorrer os bancos mediante operações de redesconto garantidas por carteiras de crédito e ativos em moeda estrangeira. Por iniciativa da oposição, acrescentou-se ao texto original um dispositivo que prevê punições para os controladores das instituições eventualmente inadimplentes. É um bom começo, que cria um clima favorável para melhorar a MP 443, a ser votada a partir da próxima semana. Esta é a que autoriza o Banco do Brasil e a Caixa a comprar instituições financeiras e empresas em geral. A oposição não deverá obstruir a sua tramitação e poderá endossá-la, se o governo acatar algumas de suas sugestões, como a que lhe dá um prazo de validade - dois anos, prorrogáveis por outro tanto.

"Acho que (a MP) deve ser aprovada, com aperfeiçoamentos", defendeu perante os seus correligionários no Senado o governador José Serra - provavelmente o político brasileiro que mais insiste em que a crise está aí e sua gravidade não pode ser subestimada. "É importante aperfeiçoar, votar e aprovar logo", recomendou.


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