Uma das balelas desmentidas pelos resultados das eleições municipais deste ano sustentava que o engajamento do presidente Lula seria mais decisivo do que qualquer outro fator tomado isoladamente para a sorte de um candidato a prefeito. Não foi de modo algum o que se viu, a começar da estrepitosa derrota da petista Marta Suplicy em São Paulo - com a agravante de que seria um rematado despropósito equipará-la ao proverbial "poste" que Lula teoricamente conseguiria eleger se o apoiasse. Na realidade, a candidatura de Marta foi acolhida pelo PT exatamente porque não havia ninguém no partido com maior cacife eleitoral na capital paulista do que ela.
Agora, passado o pleito, outra balela, do mesmo tipo, começou a guiar as expectativas e as prematuras movimentações dos políticos para a sucessão presidencial. Trata-se da crença disseminada de que, no sistema partidário nacional, o PMDB será inexoravelmente o Grande Eleitor de 2010. A julgar pela reverência com que tratam a legenda, governo e oposição parecem convencidos de que, como dizia o presidente Nixon sobre a influência do Brasil na América Latina, para quem se inclinar o PMDB, se inclinará também o eleitorado. Como se sabe, a razão dos superpoderes que se atribuem ao velho partido-ônibus - entre os quais não está o de eleger um candidato próprio - foi o seu desempenho nas urnas de outubro. O seu êxito, de fato, é incontestável.
Campeão de votos da temporada, com 18,4 milhões no País inteiro, o PMDB não apenas ratificou a sua hegemonia no universo das cidades pequenas do interior (os grotões de que fala o jargão político), acrescentando 131 nomes ao seu dote atual de 1.059 prefeitos, como ainda ampliou de 9 para 17 prefeituras a sua participação no controle do chamado Grupo dos 79 (as 26 capitais e os 53 centros urbanos com mais de 200 mil eleitores). A partir do próximo ano, 28,8 milhões de eleitores serão governados por peemedebistas em seus municípios - um avanço que decorre principalmente dos ganhos da agremiação nas maiores cidades.
A sua "taxa de sucesso" foi também a maior: o partido elegeu 47 de cada 100 dos seus candidatos (o PT elegeu 36). Além disso, o PMDB governa 7 Estados, tem as mais numerosas bancadas no Congresso (93 cadeiras na Câmara e 21 no Senado) e ocupa na coalizão lulista 6 Ministérios. Eis por que, na semana passada, a primeira depois do término do ciclo eleitoral, a expressão que mais se viu associada ao partido no noticiário político foi "noiva cobiçada". O termo embute dois pressupostos, nenhum deles lisonjeiro para essa confederação de caciquias. Um, o da "noiva", é de que o PMDB, embora estruturado em mais de 80% dos municípios dos quatro cantos do Brasil e com o maior número de filiados, não tem líderes, nem unidade, nem projetos discerníveis pelo eleitorado para lançar uma candidatura própria, competitiva, à Presidência da República. O outro pressuposto, contido no adjetivo "cobiçada", é o de que o PMDB è mobile: tanto poderá integrar a coligação em torno do nome que Lula escolher para sucedê-lo quanto se integrar à fronda PSDB-DEM.
"Acredito que para o governo é muito importante que esta aliança PT-PMDB se mantenha", diz a ministra Dilma Rousseff, a pré-candidata de Lula. A declaração mira não só 2010, mas o que o anteceder: a permanência do PMDB na liga majoritária para respaldar o Planalto sob uma crise econômica cada vez mais nítida - e da qual dificilmente passará ao largo o projeto eleitoral do presidente. Ele sabia que os resultados municipais encareceriam o serviço dos vitoriosos. Daí a sua decisão de não permitir que o PT faça marola com a sucessão no Congresso. Comprometidos com a volta do peemedebista Michel Temer ao comando da Câmara, os petistas reagiram inicialmente com acrimônia à recusa do PMDB de retribuir no Senado (o partido quer as duas Casas).
Mas as questões não se confundem. É certo que, no presidencialismo de coalizão, não se governa sem o PMDB (embora, sem o governo, o partido empalideça). Mas resta provar a teoria do "fiel da balança" - o sucessor de Lula será aquele que o PMDB tiver apoiado. Sendo o PMDB como é, o provável é que a legenda, na duvidosa hipótese de não rachar, adira ao candidato que já tiver se mostrado o mais forte.
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