segunda-feira, 28 de julho de 2008

Opinião no Estadão: Ficha suja e direito à informação

Carlos Alberto Di Franco

Recentemente, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) divulgou a primeira lista de candidatos que respondem a processos na Justiça e disputarão as eleições de outubro. A entidade identificou 15 políticos com ficha suja que concorrerão a prefeito ou vice-prefeito, apenas nas capitais. O número equivale a 4,3% dos 342 candidatos aos dois cargos nas capitais, registrados no Tribunal Superior Eleitoral.

A lista só incluiu candidatos que respondem a ações penais, por improbidade administrativa ou por crime eleitoral. A AMB admitiu que os número ficaram aquém do esperado, mas afirmou ter adotado critérios rígidos. Foram desconsiderados, por exemplo, inquéritos que tramitam no Supremo Tribunal Federal e ainda não foram transformados em processo, assim como ações por improbidade administrativa sem o aval do Ministério Público.

Se a lista incluísse os inquéritos, ou as representações movidas por adversários políticos, a AMB correria o risco de divulgar casos que não foram pautados por uma investigação séria e isenta - disse o secretário-geral da AMB, Paulo Henrique Machado.

Em São Paulo, dois candidatos atacaram a iniciativa: Marta Suplicy (PT) e Paulo Maluf (PP). Marta responde a um processo penal com base na Lei de Licitações. Paulo Maluf é alvo de sete processos: quatro ações penais e três de improbidade administrativa. Os outros candidatos citados concorrem em Manaus (Amazonino Mendes, PTB), Goiânia (Íris Rezende, PMDB), Belém (Jorge Carlos Mesquita, PSL; Leila Márcia Santos, PCdoB; Marinor Jorge Britto, PSOL), Belo Horizonte (Pitágoras de Matos, DEM), Porto Velho (Hamilton Casara, PSDB; Lindomar Barbosa Alves, PV), Palmas (Raul Filho, PT), Fortaleza (Sérgio Braga Barbosa, PPS) e Boa Vista (Maria Suely Silva).

A candidata Marta Suplicy considerou "uma irresponsabilidade" a lista divulgada pela ABM. "Acho um absurdo o nível da irresponsabilidade, porque isso prejudica uma candidatura idônea", disse ela. A assessoria de imprensa de sua campanha distribuiu nota manifestando "seu mais profundo repúdio à decisão arbitrária, tendenciosa e leviana da Associação dos Magistrados Brasileiros". A lista, segundo a nota, "transgride os preceitos mínimos da ética e do direito" e faria referência a uma ação movida por oposicionista.

Também em nota, Paulo Maluf criticou a lista: "Paulo Maluf tem 41 anos de vida pública e foi o mais realizador prefeito dessa cidade e governador desse Estado. Se for novamente eleito, vai colocar a cidade de São Paulo sem problemas, como sempre aconteceu. As acusações nesse processo não têm base legal, jurídica ou administrativa." Acrescenta que o Estado de Direito seria mais bem "conduzido sem politização dos juízes. Juízes não devem se meter em política".

Ambos, com biografias e trajetórias políticas diferentes, coincidem num lamentável denominador comum: o desrespeito aos protocolos democráticos e o menosprezo ao direito à informação. A lista da AMB, corretamente divulgada pela imprensa, não prejulga ninguém. Oferece, oportuna e legitimamente, informações relevantes ao eleitor. Rebelam-se, surpreendentemente, os candidatos contra a divulgação rigorosa dos fatos. Os processos não são uma abstração. Existem. E os leitores têm o direito de receber tal informação. Trata-se de elementar prestação de serviço à cidadania. Qual é o problema? Qual o motivo da revolta?

O que se pretende é que a imprensa oculte informações desfavoráveis aos candidatos, que o jornalismo se transforme em agente do marketing. Não, caro leitor, não somos coadjuvantes do teatro político. Nosso compromisso é com a verdade e com os leitores. E ponto final. O jornalismo de qualidade, ao contrário do que desejariam certos políticos, deve dizer quem é ficha-suja.

A informação não é um enfeite. É o núcleo da missão da imprensa. Políticos manifestam crescente desconforto com aquilo que representa os pilares da democracia: a liberdade de imprensa e o direito à informação. Não admitem críticas. Só aceitam aplausos. Mas o mais espantoso é que começam a ficar ouriçados com a simples exposição dos fatos. Investe-se, agora, não apenas contra a opinião, mas também contra a própria informação.

Reproduzo um texto belíssimo e de grande atualidade, A imprensa e o dever da verdade, de Rui Barbosa. Recomendo-o vivamente a todos os que se preocupam com a ética informativa e as relações entre o jornalismo e o poder.

"A imprensa é a vista da Nação. Por ela é que a Nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam, ou roubam. (...) O poder não é um antro: é um tablado. A autoridade não é uma capa, mas um farol. A política não é uma maçonaria, e sim uma liça. Queiram, ou não queiram, os que se consagraram à vida pública, até à sua vida particular deram paredes de vidro. Agrade, ou não agrade, as constituições que abraçaram o governo da Nação pela Nação têm por suprema esta norma: para a Nação não há segredos; na sua administração não se toleram escaninhos; no procedimento dos seus servidores não cabe mistério; e toda encoberta, sonegação ou reserva, em matéria de seus interesses, importa, nos homens públicos, traição ou deslealdade aos mais altos deveres do funcionário para com o cargo, do cidadão para com o país."

O secretismo é um perigo para a democracia. O princípio da presunção da inocência deve ser garantido, mas não à custa da falta de transparência. Não tem sentido querer dar à exposição jornalística dos fatos qualquer viés antidemocrático. A imprensa, no cumprimento rigoroso de sua missão de informar, continuará dizendo a verdade. Gostem ou não os políticos ou os candidatos.

Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo, professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco - Consultoria em Estratégia de Mídia.
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