segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Opinião do Estadão: Mercado interno não basta

A pior etapa da crise mundial já começou, com retração dos negócios no mundo rico, paralisação de fábricas e demissões simultâneas de milhares de trabalhadores. O socorro ao setor financeiro está em marcha nos países mais avançados e em vários emergentes, incluído o Brasil, e a quebradeira dos bancos provavelmente será contida. Isso limitará os danos, mas não impedirá uma severa redução do crescimento. Nos Estados Unidos e na Europa há sinais de recessão e nenhum país será uma ilha de tranqüilidade. O governo brasileiro já se movimenta para criar defesas contra mais esse risco. Essa é uma notícia animadora, mas ainda falta definir claramente a estratégia anti-recessão.

As autoridades têm respondido, até agora, aos desafios mais evidentes e imediatos. É preciso apoiar os bancos médios, garantir o crédito para o plantio da safra 2008-2009 e restabelecer o financiamento à exportação.

O Banco Central (BC) tem assumido a maior parte das tarefas, com apoio, quando necessário, da Presidência da República e do Ministério da Fazenda. O BNDES tem procurado reforço financeiro no Banco Mundial e no Banco Interamericano de Desenvolvimento, para compensar o fechamento de outras fontes de recursos.

O Ministério do Planejamento já se dispõe a reavaliar a proposta orçamentária em tramitação no Congresso para ajustá-la, se for o caso, a um cenário de menor crescimento da receita.

O conjunto parece bom, mesmo com alguma demora na obtenção de resultados. Não basta o BC oferecer dólares ao mercado. É preciso garantir a destinação desse dinheiro aos exportadores. Por isso, foram previstos leilões de moeda estrangeira carimbada, com destinação obrigatória. Esses leilões foram programados para começar hoje.

Mas o problema, nesta altura, não consiste somente em restabelecer o financiamento aos exportadores. Essa é a tarefa mais urgente, mas o desafio é mais amplo. A grande pergunta é sobre como promover um razoável crescimento econômico no próximo ano, talvez próximo de 3,5%, sem desarranjar seriamente as contas externas.

A expansão econômica deste ano, estimada em mais de 5%, só foi possível com uma grande redução do superávit comercial e um aumento considerável do déficit em conta corrente. Esse déficit poderá situar-se, no fim do ano, em cerca de 1,8% do PIB. O buraco projetado para 2009 equivale a cerca de 2% da produção do País, se a atividade crescer 3,5%.

Pelos critérios mais comuns, um déficit desse tamanho é perfeitamente aceitável. Não envolve risco importante para o País. Ações baseadas nesses critérios, no entanto, são muitas vezes perigosas. Conta corrente no vermelho só não é problema quando se pode financiá-la com investimento estrangeiro direto. Ninguém pode saber, agora, se esse tipo de recurso continuará entrando no País, em 2009, na proporção necessária.

Além disso, o descompasso entre importações e exportações aumentou, em 2008, apesar das cotações excepcionais de vários produtos básicos. Em 2009 não se poderá contar com preços extraordinários de exportação nem com um mercado favorável.

Para o País atravessar o ano sem maiores problemas e sem a criação de maiores desequilíbrios, o governo deverá calibrar a expansão da demanda interna e a evolução das exportações. Estimular o mercado interno sem dar atenção maior ao comércio exterior poderá redundar, em pouco tempo, numa combinação de inflação mais alta com desarranjo no balanço de pagamentos. O próximo passo poderá ser uma visita ao Fundo Monetário Internacional.

O governo, segundo alguns economistas, deveria gastar mais para neutralizar os efeitos da recessão externa. Mais seguro, no entanto, seria conter os gastos de custeio, reduzir impostos e aumentar o financiamento à exportação e à produção. Uma ação defensiva na frente comercial pode ser necessária para conter a invasão de produtos vendidos em regime de dumping. Muito mais produtiva, no entanto, será uma ação ofensiva, provavelmente facilitada por uma moeda menos valorizada que a dos últimos anos. Será uma boa oportunidade para o governo mostrar se é capaz, mesmo, de formular e de aplicar uma política de produção e de competitividade adequada à economia globalizada.


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