segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Briga de foice pelo poder

salada_de_partidos

Ipojuca Pontes

A política é a atividade superior do homem que tem por objetivo  definir e propiciar a melhor direção dos negócios públicos, certo? Errado. Errado pra cachorro. Exemplo? Em São Paulo e Rio de Janeiro, nesta segunda fase da refrega eleitoral pela posse das duas prefeituras mais ricas do país, a “arte de bem governar” virou, entre os respectivos candidatos, uma tremenda briga de foice no escuro. De fato, uma batalha incruenta, onde vale tudo, inclusive (como diria o caudilho Brizola, ao medir a ambição política do Dr. Lula) “pisar o pescoço da mãe”. 

Certo, justifica-se, está em jogo o usufruto de receitas tributárias que envolvem bilhões de reais a cada mês, empregos de familiares e companheiros, mordomias sem fim, banquetes infindáveis, viagens internacionais, folguedos do carnaval, bons negócios com empreiteiras compreensivas – para não falar no fanal de luz que pode levar o eleito à governança do Estado e até à Presidência da República. Então, com perdão da palavra, por que titubear? Diante de um quadro tão inebriante quanto dionisíaco, o que representa, na ética política em andamento, um simples pisar de pescoço – seja da própria mãe ou da mãe do adversário? Nada, um zero a esquerda.  

No Rio de Janeiro temos o caso do candidato Eduardo Paes, o típico carreirista político. De esquerda, ele começou no ecológico Partido Verde. Para subir na hierarquia da atividade, ingressou no DEM (ex-PFL), tido como “de direita”, onde, pelas mãos do blogueiro César Maia, foi feito Secretário do Meio Ambiente (e, devido a irregularidades, está sendo processado por improbidade administrativa). Em seguida, para se fazer deputado federal, bandeou-se para o PSDB. Pelo empenho, tornou-se  líder do partido no período da CPI dos Correios. Nela, diante dos holofotes, denunciou veemente o socialista Lula da Silva como o agente beneficiário por trás da “quadrilha organizada” instalada em Brasília (aventou, até, o seu impeachment), sem livrar a cara de Lulinha, o filho, transformado em milionário da noite para o dia.  

Mas em política a grande meta (negócio) é o poder executivo. Para ser candidato a prefeito da cidade, Paes largou o tucanato e ingressou no PMDB pelas mãos de Sérgio Cabral, o governador leninista e generoso anfitrião noturno de Lula, que se mostrou reticente com as pretensões do algoz. O que, vale dizer, não representou obstáculo algum. Para obter o aval de Sua Santidade, Paes não pensou duas vezes: escreveu copiosa carta ao Soberano pedindo desculpas pelas palavras impensadas – desculpas, claro, extensivas à D. Marisa e ao herdeiro (milionário) Lulinha.    

Mas em matéria de pragmatismo abjeto o candidato Gabeira, que ficou famoso por seqüestrar o embaixador americano Charles Elbrick, usar tanga e calçar sandálias tecidas com folha de maconha, não fez por menos. Flagrado pela mídia tecendo críticas por telefone à vereadora aliada, Lucinha - a mais bem votada da zona oeste da cidade, a quem chamou de “analfabeta política de visão suburbana” -, Gabeira, pensando nos votos da companheira, apresentou um maroto pedido de desculpas, tal como fez o seu adversário Paes. Enviando o pedido de desculpas em nota à imprensa, o candidato verde, antigo “pauteiro” de jornal, não perdeu espaço e ainda prometeu se empenhar na “valorização e o crescimento dos subúrbios da cidade”. 

Em São Paulo, por sua vez, a luta pelo poder entre as facções atinge a chamada região do baixo-ventre. Diante da flagrante vantagem eleitoral do candidato Gilberto Kassab (DEM-SP), o programa de propaganda televisivo da candidata Marta Suplicy (PT-SP) interrogou, com malícia, se o adversário era casado e tinha filhos – mesmo sabendo, com antecipação, que ele não era casado e muito menos pai de filho.

A pergunta, claro, dizia respeito à macheza do candidato, a ser interpretada assim: pode um sujeito ao qual se coloca dúvida sobre a sua masculinidade ser prefeito de São Paulo? (De minha parte, creio que sim, pois Edward Koch, judeu e homossexual, governou a cidade de New York durante dez anos – de 1977 a 1987 – com o aplauso dos seus habitantes). 

A indagação torna-se mais irônica, ou indecente, quando se sabe que Marta Suplicy é “sexóloga progressista”, que faz figura e hora na vida política por supostamente defender “as minorias” de todos os tons e matizes. Sobrelevado o fato de que, há poucos anos, no posto de prefeita, a atual ministra de Turismo de Lula arrostou escandaloso adultério quando trocou o brando marido (Eduardo Suplicy) pela galanteria do aspone Luís Fabre, dito revolucionário da Quarta Internacional, mas, na realidade, nascido “em la Boca” da vizinha Buenos Aires sob o batismo de Felipe Belisário Wermus (sendo acusado de possuir contas em paraísos fiscais abastecidas com dinheiro proveniente do superfaturamento da coleta do lixo administrado pelas prefeitura do PT).

Já o prefeito Kassab - que, embora “de direita”, fez vultosa doação de campanha ao PCdoB - não deixa de ser figura curiosa. Interrogado por um repórter de jornal se era ou não homossexual, achou por bem negar, dando-se ao luxo de um sorriso à Mona Lisa, depois. Talvez por isso, levando-se em conta o conservadorismo da sociedade, o candidato do DEM tenha perdido cinco pontos de vantagem na disputa contra a “sexóloga progressista” do PT. Os dezessete pontos iniciais de vantagem reduziram-se a uma dúzia.

Desde que Maquiavel, ele mesmo um pilantra, demonstrou a notória oposição entre a ética política e a ética religiosa - aquela que nos ensina a não roubar, matar ou desejar a mulher do próximo -, os políticos encontraram um sólido lastro teórico para justificar suas patifarias. Vale tudo, inclusive pisar o pescoço da mãe, pois, como ficou consagrado, o objetivo é tomar o poder para se “promover o bem comum”. Mídia sem Máscara


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