quinta-feira, 23 de outubro de 2008

César Velente: Cá com meus botões

Nas campanhas eleitorais, especialmente para cargos majoritários (prefeitos, governadores, presidentes), chega uma hora em que não basta falar bem do nosso candidato preferido, é preciso falar (muito) mal do principal adversário. É nesse contexto que surgem os “dossiês”, os boatos e são turbinados os eventuais malfeitos.

A poucos dias do segundo turno, as conversas, nas rodas de apoiadores do Dário, mostram um Amin satânico. E nas rodas de apoiadores do Amin, o Dário é a própria encarnação de Belzebu. Em um e outro lado, a pior coisa que pode acontecer para a cidade, para seus moradores, quiçá para o mundo, é a eleição do adversário. Será um desastre, uma hecatombe, o reinado do pecado, da devassidão e da corrupção desenfreada.

É claro que, à medida em que a data fatal se aproxima, o exagero aumenta. E quanto mais fanático o eleitor (torcedor?), mais cego e surdo. Quer dizer, cegueira e surdez seletivas. Vê e ouve muito bem se alguém por perto falar (muito) mal do seu “desafeto”. Mas nem nota se a conversa for do tipo “aquela história não é bem assim, na verdade o que aconteceu foi...” há um desligamento automático nesse ponto. Não quer nem saber. A razão, vocês sabem, foi expulsa de campo já nos primeiros minutos do jogo.

Nos casos mais graves, tanto no futebol quanto na política, além de não querer ouvir nem ver qualquer coisa que contradiga suas... vá lá, “convicções”, o sujeito ainda liga um PPPA. E aí, ao perceber que por perto está um simpatizante do “inimigo”, parte pra porrada automaticamente.

Nem sempre é fácil escapar das garras do fanatismo. Até porque, nas fases mais brandas, o fanatismo aparece disfarçado de uma visão crítica um pouco mais exacerbada. E nos engana, ao aparentar uma racionalidade que, no entanto, é tão falsa quanto as qualidades angelicais do seu candidato de preferência. Ou quanto os defeitos monstruosos do seu candidato/desafeto.

As competições são divertidas justamente porque despertam paixões, emocionam, provocam tomadas de posição e faz bem torcer por alguma coisa, de vez em quando. É muito saudável achar que um candidato é melhor que o outro e tentar convencer amigos e parentes a votar nele. Da mesma forma, é bom gostar de um time de futebol, acompanhar sua trajetória, sofrer e alegrar-se, xingar o juiz e reclamar dos pernas-de-pau que não acertam um passe. Também é bom tomar uma cervejinha, um vinho, ao redor de uma mesa de amigos.

Todas essas coisas, no entanto, podem perder sua graça rapidamente. Basta alguém encher a cara e fazer aflorar aquele mala que ninguém suporta. Ou, cego de ódio, achar que deve espancar alguém porque veste a camisa de outro time. Ou, idiotizado pelo fanatismo, começar a acreditar que, de fato, seu candidato é perfeito e o adversário é o demo. E, se ouvir alguém dizer o contrário, partir pra porrada automaticamente.

Tenho amigos que vão votar no Dário e ouço-os elogiar o candidato com grande convicção e até com argumentos bem razoáveis. Quando passam às críticas ao Amin, pingo vira letra. Mais ou menos como aquela história de que o Esperidião era dono da Transol, uma lenda urbana que ganhou aparência de verdade e ainda é repetida, independentemente de todos os desmentidos já feitos. Ninguém está preocupado se a coisa é verdade ou não: o negócio é juntar histórias cabeludas para soterrar com elas a imagem do careca.

Também tenho amigos que são Amin desde criancinha e naturalmente enumeram ene razões pelas quais é preciso trazê-lo de volta. Tal e qual o outro lado, quando começam a falar mal do Dário (e “dos Berger”), há uma estupenda amplificação dos malfeitos. O fato da AMB tê-lo colocado na lista de candidatos com processos ajudou bastante. Os negócios das empresas da família, então, são um prato cheio. O engraçado é que, para os fãs do Dário, isso conta pontos como coisa positiva, do ânimo empreendedor e até mesmo pra defendê-lo de suspeitas (“um sujeito rico não precisa roubar”). E para seus inimigos é uma das fontes de todo o mal.

Como nunca fui amigo – nem inimigo – de nenhum dos candidatos, estou naquela situação do apreciador de futebol que assiste a um jogo de times para os quais não torce: dá pra ver mais facilmente as boas jogadas e os lances fracos. Em alguns momentos até da pra se animar com um ataque melhor organizado, mas isso pode mudar se a defesa mostrar que sabe o que fazer. O jogo, visto assim, parece ter mais sabor do que aquele distorcido pelos olhos do fanatismo.

Ah, é claro que, quando eventualmente comento um drible que gostei, os torcedores do outro time acham que estou vestindo a camisa do adversário. E quando reclamo de alguma canelada, da mesma forma. Tem gente que acha que, finalmente, assumi a preferência ou que, como sempre souberam, sou um “pena alugada”. E lá vamos nós... De Olho na Capital


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