É inexplicável a resistência do presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia (PT-SP), a cumprir a decisão judicial transitada em julgado que determina a perda do mandato do deputado Walter Brito Neto (PRB-PB) por infidelidade partidária. A decisão foi tomada em março último e, desde setembro, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já cobrou três vezes da Câmara a cassação de Brito e a posse do suplente. O deputado trocou o DEM pelo PRB depois da data a partir da qual o TSE estabeleceu que os mandatos pertencem às legendas e não aos que os exercem. Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal (STF) endossou a resolução da Justiça Eleitoral que define os procedimentos para o afastamento e a substituição dos mandatários infiéis às suas legendas. Além disso, Brito perdeu todos os recursos que interpôs à decisão do TSE de devolver a sua cadeira ao partido traído, o DEM, no caso. Correm processos, pelo mesmo motivo, contra 5 outros deputados federais, 14 estaduais e cerca de 1.400 vereadores.
O DEM anunciou que pretende obstruir as votações em plenário e nas comissões da Câmara enquanto o seu presidente relutar em cumprir um ato jurídico inequívoco. Isso, juntamente com as críticas do titular do TSE, Carlos Ayres Britto, ao não-cumprimento da decisão, levou Chinaglia a uma reação despropositada no mérito e deselegante na forma. "Quero dizer ao ministro Ayres Britto que sua excelência não preside um Poder, sua excelência preside o Tribunal Superior Eleitoral. Aqui, presidimos um Poder", investiu. "Se eu quiser cobrar publicamente do ministro Ayres Britto processos em que sua excelência ficou determinado tempo sem deliberar, posso fazê-lo publicamente também", emendou, agressivo. "Quero pedir à sua excelência que se contenha, não me faça cobrança pública, porque senão serei obrigado a mudar de atitude e fazer cobrança pública de sua excelência especificamente."
Britto respondeu que tratara publicamente de um processo público, declarou-se surpreso com o "tom áspero" do presidente da Câmara, observou que a Justiça já tomou centenas de decisões do gênero em âmbito municipal e estadual, nenhuma delas descumpridas pelas Câmaras ou Assembléias. E lembrou que, assim como ele próprio não é "presidente" do Judiciário (a primeira figura do Poder é o presidente do STF), Chinaglia não é presidente do Congresso (a autoridade máxima do Legislativo é o presidente do Senado). Trata-se, obviamente, de uma bizantinice. O problema tampouco é debater o ritmo das deliberações do Judiciário. "Isso não é argumento para descumprir decisão judicial", aponta o ministro Marco Aurélio Mello, do STF, para quem a reação de Chinaglia foi "um arroubo de retórica". O fato que interessa, em outras palavras, é a negativa da Câmara em fazer o que lhe compete, por força de decisão judicial incontestável. A recusa equivale a um desrespeito à ordem jurídica.
O mero bom senso indica que o cumprimento de uma sentença não apequena nenhuma instituição nem atinge a sua independência - e decerto o deputado Chinaglia sabe disso. Ele invoca um parecer da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara segundo o qual a Mesa só poderá declarar a perda do mandato de um parlamentar depois de julgados todos os seus recursos. Mas, na realidade, como diz o presidente do TSE, "o devido processo legal foi exaurido". Soa, portanto, a tergiversação a iniciativa do presidente da Câmara de pedir um parecer da Corregedoria da Casa. Só faltaria ele aceder ao pedido que Brito Neto prometeu fazer para que o seu destino seja decidido por seus pares, em votação no plenário, como se a Câmara pudesse escolher se acata ou desacata a legislação.
Ele alega que se bandeou para o PRB por ser discriminado pelo DEM no seu Estado. A perseguição política, de fato, é uma das justificativas admitidas pela Justiça Eleitoral para a troca de partido sem perda de mandato. Só que, nesse caso, a alegação não foi acolhida. O TSE, por exemplo, deu ganho de causa ao senador maranhense Edison Lobão Filho, do PMDB, ex-DEM, porque ele conseguiu demonstrar que os seus correligionários de então queriam que ele se fosse. Não há, portanto, indícios de que a Justiça Eleitoral esteja possuída de uma fúria punitiva contra os políticos infiéis.
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