Quase R$ 1 milhão. Esse foi o valor repassado pela prefeitura de Florianópolis nos últimos cinco anos para uma instituição prestar o atendimento a jovens em situação de risco. Mas o prédio destinado à uma república assistida, pertencente ao Centro de Recuperação de Toxicômanos e Alcoolistas (Creta), está vazio. O valor, de acordo com a Secretaria Municipal de Assistência Social, seria suficiente para construir uma creche e mantê-la com cem crianças por um ano.
Conforme o convênio assinado com a prefeitura desde 2005, a instituição deveria atender jovens de 12 a 18 anos que passam por tratamento contra a dependência de drogas. Eles seriam encaminhados ao local como forma de ressocialização antes de retornarem para casa, logo após a liberação nas chamadas fazendas terapêuticas — onde passam por um período de desintoxicação. O atendimento deveria ser feito por uma equipe de 12 profissionais, como psicólogos, assistentes sociais e médicos.
Em visita ao local, porém, o Ministério Público Estadual não encontrou qualquer sinal de atendimento. Os quartos foram encontrados vazios com as camas praticamente desmontadas e sem colchão. No guarda-roupas, travesseiros e lençóis ainda na embalagem. Para o promotor de Justiça da Infância, Thiago Carriço de Oliveira, o mais estranho é como uma entidade ficou tanto tempo vazia, enquanto vários jovens não tinham para onde ir ao dar entrada na Casa de Passagem — o primeiro local para onde são levados antes de serem transferidos a um dos abrigos conveniados com o município.
— Não foi constatada a existência de nada naquele local. Não havia adolescente, não havia médico, não havia assistente social, não havia cama para aquele número de adolescentes do convênio. Havia, sim, alguns lençóis dentro do plástico sem nenhuma estrutura para receber jovens, conforme o convênio previa — explica o promotor.
Lista pode ser falsa
Há indícios até de que documentos teriam sido falsificados para atestar a presença de adolescentes na instituição. O MP requisitou à Secretaria de Assistência Social uma relação dos jovens que teriam sido atendidos pelo local em seus cinco anos de funcionamento. Foi entregue uma lista com apenas 54 nomes. Porém, segundo o promotor, desse total, 16 já eram adultos na época do ingresso, o que não faz relação com a proposta do projeto. Dos 38 restantes, 24 deles teriam sido atendidos em 2010. Porém, a funcionária do local confessa ao promotor que, durante todo o ano de 2010, nenhum adolescente teria sido encaminhado ao local. A suspeita do MP é de que a lista contenha informações falsas.
A pedido do MP, o convênio foi encerrado em janeiro. A investigação do órgão continua para descobrir o destino do dinheiro. Há suspeita de improbidade administrativa e peculato, já que poderia haver aplicação equivocada de verba pública.
— É importante observar o que diz o convênio com a prefeitura. E o objetivo dele é receber adolescentes egressos de comunidade terapêuticas. Então, não é possível que nenhum adolescente que esteja nesta entidade permaneça ali. A entidade terapêutica tem um fim e a república assistida tem outro.
Conversa gravada
O Ministério Público visitou o local duas vezes: em novembro de 2010 e no mês passado. Em ambas, só encontrou duas funcionárias cuidando do espaço. A conversa abaixo foi gravada pelo promotor de Justiça da Infância, Thiago Carriço de Oliveira:
Promotor: — Não tem monitor, não tem funcionário?
Funcionária: — Não.
Promotor: — Aqueles lençóis no guarda-roupas nunca foram usados?
Funcionária: — Hum, hum (não).
Promotor: — Quanto tempo faz que vocês não vão no segundo andar? (O promotor pede para conhecer, mas a funcionária nem encontra a chave da porta)
Funcionária: — Prefiro não responder.
Contrapontos
O que diz o presidente do local, Jonas Pires, responsável por todo o Centro de Recuperação de Toxicômanos e Alcoolistas (Creta):
"Havia uma dificuldade muito grande dos meninos ficarem no local por causa das recaídas. Então, toda essa demanda que deveria estar ali está, sim, dentro das fazendas de tratamento que pertencem ao nosso centro. Esses jovens terminam o tratamento ali e não querem mais ir embora, deixar de receber esta ajuda porque ficam sem direção, sentem-se ociosos. E eu não posso colocá-los em área de risco e ali é uma área de risco."
O que diz a chefe do setor de convênios da Secretaria Municipal de Assistência Social, Joana Melo de Oliveira:
"Se existe alguma informação falsa, é preciso conferir com o próprio projeto. Até que se prove o contrário, todas as informações do convênio são fiéis à realidade."
Os valores repassados pela prefeitura
2005 (a partir de agosto) - R$ 65.240,00
2006 - R$ 164.481,60
2007 - R$ 169.104,00
2008 - R$ 177.825,60
2009 - R$ 204.499,20
2010 - R$ 212.904,00
Reportagem: Francis Silvy/RBS TV
Vídeo: Estúdio Santa Catarina - RBS TV
Um comentário:
Isso porque ainda não se referiram a muitas outras fraudes no INSS também "as funcionárias? que aparecem no vídeo recebendo do INSS..." hehe! , alimentação para os internos com validade vencida, internos "que estão em recuperação" cuidando de crianças nos abrigos de menores "cretinha" etc...
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