terça-feira, 5 de abril de 2011

Ao afastar o presidente da Vale por ter feito tudo certo o governo federal inventou a demissão por excesso de competência

Demissão na Vale: ‘Se o governo soubesse o que é meritocracia, Roger Agnelli seria o ministro da Fazenda’

Ao se intrometer na vida da Vale, o governo federal produziu simultaneamente três assombros: inventou a demissão por excesso de competência, transformou Roger Agnelli no único executivo da história que perdeu  emprego por ter feito tudo certo e criou a primeira empresa privada do Brasil cuja diretoria é escolhida pelo Palácio do Planalto. Não é pouca coisa. E não é tudo.

Bastou a notícia de que o governo resolvera ditar os rumos da Vale para que mais de 4 milhões de investidores começassem a perder dinheiro. Só em março, as aplicações sofreram uma queda de 6,81%. “As ações deveriam estar voando”, disse em entrevista ao jornal O Globo o especialista em investimentos Bruno Lembi. “Os preços do minério estão lá em cima e a Vale divulgou um balanço excepcional”.

Privatizada em maio de 1997, a Vale começou a colecionar cifras superlativas a partir de julho de 2001, quando Agnelli assumiu a presidência e a transformou na segunda mineradora do planeta e na maior produtora mundial de minério de ferro. Há 14 anos, tinha 11 mil funcionários. Hoje são 174 mil. Em 1997, a produção de minério foi de 114 milhões de toneladas. Subiu para 297 milhões de toneladas em 20010. No mesmo período, o lucro cresceu de R$ 390 milhões para R$ 30,7 bilhões. Os investimentos somaram R$ 19,4 bilhões em 2010 e deverão chegar a US$ 24 bilhões em 2011.

Quem aplicou R$ 1 mil em ações da Vale no dia da posse de Agnelli tinha R$ 16.829 na conta neste 23 de março — uma valorização de 1.583%. Em paragens civilizadas, tal performance faria qualquer chefe de governo disputar Agnelli a socos e pontapés com a iniciativa privada: como não instalar alguém tão singularmente eficaz num ministério da área econômica? No Brasil, como ensinou Tom Jobim, “sucesso é ofensa pessoal”. E para governantes autoritários a independência é o oitavo pecado capital.

Enciumado com o executivo que, além de admirado internacionalmente, ignorava determinações do presidente da República, Lula ficou à espera de algum pretexto para o início da ofensiva. A chance chegou em dezembro de 2008, quando a Vale incluiu a demissão de 1.300 funcionários entre as medidas adotadas para abrandar os efeitos da crise econômica internacional. De lá para cá, a abertura de 35 mil novos empregos compensou amplamente o corte, mas o chefe de governo continuou a tratar a demonstração de autonomia como traição à pátria.

Com o apoio de Dilma Rousseff, Lula resolveu que ninguém teria sido demitido se a Vale reduzisse a exportação de minério e ampliasse os investimentos em siderurgia. E apertou o cerco ao inimigo imaginário em abril de 2009, quando Demian Fiocca, ex-presidente do BNDES ligado ao ministro Guido Mantega, foi demitido da diretoria da Vale. Em fevereiro desde ano, incumbido por Dilma Rousseff de articular o ataque derradeiro, Mantega conseguiu o apoio da maioria dos controladores da empresa para a torpeza longamente planejada.

Se o governo soubesse o que é meritocracia, Agnelli seria o ministro da Fazenda e Mantega só apareceria regularmente no gabinete do presidente da Vale se fosse o homem do cafezinho. Na Era da Mediocridade, Obina joga na Seleção e tira Pelé do time. A multidão de ministros e destaques do segundo escalão informa que, há quase 100 dias, Dilma Rousseff é uma ilha de despreparo cercada de  incompetentes incuráveis, cretinos fundamentais e gatunos compulsivos por todos os lados. Mas decidiu castigar com a demissão um dos mais talentosos executivos do mundo.

Augusto Nunes


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