"Os cidadãos precisam se acostumar com a idéia de que podem estar sendo grampeados ao falar ao telefone, porque a tecnologia atual permite que qualquer um intercepte ligações. Se alguém hoje quiser escutar o telefone de um indivíduo ou de alguma instituição privada tem meios para isso, dado o grau de sofisticação a que a parafernália eletrônica chegou. Qualquer pessoa compra qualquer aparelho e sai gravando", disse o ministro da Justiça, Tarso Genro, ao conselho seccional fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ). "Numa verdadeira democracia, todo esse aparato eletrônico estaria destinado para o cidadão controlar o Estado, e não o Estado e instituições privadas controlarem a cidadania", concluiu.
Pronunciada por um dirigente do primeiro escalão do governo, essa afirmação já seria preocupante. Mas, como o ministro da Justiça é o superior hierárquico da Polícia Federal (PF) e o responsável pela ordem interna do País, suas declarações causam perplexidade. Afinal, se o problema dos grampos ilegais chegou ao ponto de gravidade que menciona, por que não convocou as equipes de elite da PF, ordenou a abertura de investigações para identificar os arapongas e encaminhou os inquéritos policiais ao Ministério Público Federal? Em outras palavras, por que não cumpriu com suas obrigações funcionais?
Na realidade, ao afirmar que há no País uma "privatização das interceptações", Tarso Genro fez mais do que confirmar algo que é sobejamente conhecido. Reconheceu publicamente a inépcia do governo para manter o princípio da autoridade, e a própria incapacidade de comandar os órgãos policiais a ele formalmente subordinados.
Isso ficou ainda mais explícito quando, além do problema da proliferação desenfreada da "indústria do grampo", ele reconheceu, na mesma ocasião, que o manual de condutas da PF foi violado no curso da Operação Satiagraha, que o delegado responsável por ela não poderia ter convocado agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e que a prisão dos principais suspeitos não poderia ter sido vazada para uma rede de televisão.
Os abusos que têm sido cometidos pela Polícia Federal, com suas operações espalhafatosas, não constituem novidade e já eram um problema sobejamente conhecido quando Tarso Genro assumiu a Pasta da Justiça, há um ano e quatro meses. Por que só agora passou a defender a reforma na legislação para restringir o uso de interceptações telefônicas com autorização judicial e coibir o abuso de autoridade, uma proposta que há meses foi apresentada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes?
E que medidas punitivas adotou no plano administrativo, no ano passado, quando, por ocasião da Operação Navalha, a PF, cujo diretor é seu subordinado, acintosamente "vazou" a informação de que haveria um certo Gilmar Mendes numa lista apreendida, visto que desde sempre sabiam que se tratava de um homônimo do ministro do Supremo Tribunal Federal?
Na sexta-feira, o jornal Valor informou que o governo não tomará a iniciativa de propor qualquer projeto para aumentar o controle sobre a Polícia Federal e que mobilizará sua bancada para tentar jogar a questão para depois das eleições municipais, caso alguma proposta seja apresentada por parlamentar da oposição.
O paradoxal é que, segundo a reportagem do jornal, o presidente Lula considera a PF "fora de controle". Em conversa com parlamentares, na viagem a Belo Horizonte para participar do funeral do ex-prefeito Célio de Castro, ele teria dito que "estava acostumado com a anarquia dos sindicatos, mas atônito com a confusão na PF, que nem parecia do governo, mas uma corporação específica".
Se for verdade que o governo quer mesmo contemporizar na questão do projeto da lei contra abuso da autoridade, para não distrair a atenção dos partidos aliados do pleito de outubro, esse fato, juntamente com a preocupante confissão de inépcia do ministro da Justiça, forma um quadro de falta de discernimento de Lula e sua equipe sobre a questão de fundo, no caso dos grampos e dos abusos da Polícia Federal - um quadro de vulnerabilidade das liberdades públicas e do Estado de Direito.
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(*) Ucho Haddad Após décadas de jornalismo, a maior parte do tempo dedicado
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