terça-feira, 24 de maio de 2011

Opinião de O Globo: A inútil ‘blindagem’ de Palocci

Em um movimento previsível, executado sempre que alguma autoridade se fragiliza e, por tabela, o próprio governo, o Palácio age para evitar o uso pelo Congresso de qualquer de suas prerrogativas de fiscalização. À revelação da “Folha de S.Paulo” de que o ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, multiplicara por 20 o patrimônio, de 2006 a 2010, período em que exerceu mandato de deputado pelo PT paulista, o governo começou a mover as engrenagens para manter a base parlamentar unida contra a instalação de CPI ou convocação do ministro para depor, como deseja a oposição.

Embora o Planalto não tenha maioria para votar como deseja o Código Florestal, por exemplo, ao menos consegue barrar a instalação de CPI. E mesmo que fosse criada uma comissão de inquérito, o governo poderia torná-la inócua. É só conquistar a maioria de seus votos. Ocorreu assim na CPI da Petrobras, na gestão Lula, e nada foi investigado. Mas, como em casos semelhantes no passado, muito vai depender da evolução das revelações. Primeiro, soube-se que o então deputado adquiriu, em São Paulo, um apartamento de alto padrão e um escritório, os dois imóveis em pontos privilegiados da cidade, por pouco mais de R$ 7 milhões, pagos cash, ou seja, sem financiamento. O ministro justificou a multiplicação do patrimônio por consultorias prestadas por meio da sua empresa Projeto.

Como a legislação não impede parlamentar de ser consultor de empresa privada — erro a ser corrigido —, Antonio Palocci contava com alguma base de argumentação. Depois, também pela “Folha”, ficou-se sabendo que, no ano passado, ano de eleição, o ministro faturou R$ 20 milhões em consultorias, dos quais a metade em apenas dois meses, novembro e dezembro, quando Dilma Rousseff já era presidente eleita e Palocci, o futuro ministro-chefe da Casa Civil. A coincidência é de elevada combustão.

De uma posição defensável — quando o caso se resumia aos imóveis —, o ministro passou a ser alvo exposto a acusações de tráfico de influência, e até de ter participado de algum esquema de financiamento ilegal da campanha petista. Seria o reaparecimento dos “recursos não contabilizados”, eufemismo criado por petistas na crise do mensalão para designar caixa dois. Como também já ocorreu no passado, blindagens no Congresso de autoridades são inúteis se não há explicações convincentes para os supostos malfeitos.

Na sexta-feira, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, deu o prazo de 15 dias para Palocci explicar o estonteante aumento de patrimônio. A Casa Civil informa que o ministro deverá fornecer as informações ao procurador ainda nesta semana. Age bem, pois quanto mais cedo der explicações, melhor. Continuar em silêncio apenas ajuda a tornar tudo ainda mais nebuloso. Para agravar a situação, as suspeições em torno da alta produtividade do escritório do ministro fermentam no ambiente mal iluminado da mistura de negócios com política, característica malévola da vida pública brasileira radicalizada nos últimos oito anos. Não fosse bastante haver esta indesejada mistura no bilionário braço financeiro-sindical do PT representado por fundos de pensão de estatais, Palocci não é o único político da legenda a transitar no ramo das consultorias. Daí as explicações do ministro precisarem ser convincentes.


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