Governadores e prefeitos pedem ao Tesouro Nacional um novo acordo sobre suas dívidas com a União, refinanciadas por 30 anos a partir do final dos anos 90. Os juros e a correção monetária são altos demais, argumentam os devedores, e a dívida remanescente depois de cada pagamento cresce de forma assustadora. Alguns pedem autorização para trocar dívida velha por dívida nova e mais barata, contratada com bancos privados ou com instituições financeiras multilaterais, como o Banco Mundial. Outros propõem simplesmente uma revisão do indexador, para deter o crescimento do resíduo.
A renegociação das dívidas foi um desdobramento do Plano Real. Para estabilizar a economia, o governo federal procurou criar condições para o funcionamento efetivo da política monetária e para a recuperação das finanças públicas em todos os níveis da administração. O programa incluiu a privatização de bancos estaduais e o refinanciamento das dívidas de Estados e municípios, incapazes, naquele momento, de pagar seus compromissos.
O Tesouro Nacional assumiu a responsabilidade, perante o setor financeiro, pelos débitos estaduais e municipais e tornou-se credor de Estados e municípios. Para estes não havia escolha, porque se haviam endividado em excesso, a juros muito altos, e não podiam refinanciar-se no mercado.
Tesouros estaduais e municipais ganharam 30 anos para liquidar as dívidas com a União, pagando juros anuais entre 6% e 9%. O saldo seria corrigido com base na variação do Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI). As prestações anuais seriam equivalentes a 13% da receita líquida de Estados e municípios.
O passo seguinte foi a aprovação, no ano 2000, da Lei de Responsabilidade Fiscal e da Lei dos Crimes Fiscais, concebidas para disciplinar a gestão financeira de Estados e municípios.
Os governos estaduais e municipais adaptaram-se gradualmente às novas condições, embora com dificuldades para se enquadrar em alguns critérios, como, por exemplo, a limitação de gastos com o funcionalismo. De modo geral, as novas normas produziram resultados satisfatórios. Estados e municípios contribuíram para o alcance das metas fiscais definidas para todo o setor público.
Os encargos da rolagem negociada com o Tesouro Nacional tornaram-se, no entanto, um peso muito grande para muitos Estados e municípios. O pagamento anual de 13% da receita líquida ao Tesouro Nacional já é um sacrifício considerável, mas, apesar disso, os governadores e prefeitos ainda viram avolumar-se um preocupante resíduo financeiro, resultante de uma correção muito alta, bem maior que a inflação medida pela variação dos preços ao consumidor, acrescida de juros entre 6% e 9% ao ano.
Durante esses anos, as condições do mercado financeiro mudaram consideravelmente no Brasil e no exterior. O Tesouro Nacional aproveitou o cenário mais favorável para trocar parcelas de sua dívida antiga por novos financiamentos bem mais baratos. Foi uma decisão correta, mas os Tesouros estaduais e municipais não tiveram acesso a essa facilidade. De acordo com a lei, não poderiam contratar novas dívidas sem autorização federal.
Essa restrição tem sentido quando um governador ou prefeito pretende ampliar seu endividamento. Mas é muito menos defensável, quando o governador ou prefeito pretende apenas tomar um financiamento mais barato para abater uma parcela de sua dívida com a União. Há pouco mais de dez anos, a União substituiu os bancos como credora de Estados e municípios. Era a solução disponível naquele tempo. Agora seria possível percorrer o caminho inverso - dentro de certos limites. Frações da dívida seriam transferidas para os bancos, a custos menores para os Estados e municípios.
A saída alternativa seria a revisão dos encargos cobrados pelo Tesouro. Os encargos pagos pela União são bem mais baixos que o custo suportado pelos Tesouros estaduais e municipais. Há espaço, portanto, para uma redução dos encargos, como pedem alguns governadores e prefeitos. Nenhuma das duas mudanças - a tomada de empréstimos mais baratos, como pretendem alguns, e a revisão dos encargos, como preferem outros - é incompatível com a disciplina fiscal. Todos ganharão, se o governo federal examinar com boa vontade as pretensões de governadores e prefeitos.
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(*) Ucho Haddad Após décadas de jornalismo, a maior parte do tempo dedicado
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