Se o Senado mantiver intocado o texto do projeto de criação da TV Pública que foi aprovado esta semana pela Câmara, endossando medidas com viés claramente fisiológico, político e partidário propostas pelo relator Walter Pinheiro (PT-BA), a nova emissora estará à mercê do governo para utilizá-la como bem entender.
Durante a votação, os deputados rejeitaram o dispositivo que proibia o uso de nomes, símbolos e imagens que caracterizem promoção pessoal ou partidária. E, cedendo a pressões regionais, definiram que a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) terá sede em Brasília e o centro de produção ficará no Rio de Janeiro. A medida provisória que criou a TV Pública estabelecia que a sede seria no Rio, onde funciona a TV Educativa.
Além disso, a Câmara rejeitou os dispositivos que proibiam a Empresa Brasil de Comunicação de fechar contratos sem licitação e vedavam a contratação de jornalistas sem concurso público. Essa combinação entre dispensa de licitação e dispensa de concurso é uma porta aberta para o aparelhamento político da emissora.
Para propiciar à EBC uma receita adicional de R$ 150 milhões, além dos R$ 350 milhões previstos no Orçamento da União, a Câmara aprovou a criação de uma "Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública". Todavia, como afirma o relator, não se trata de um novo tributo, mas de um repasse de 10% dos recursos do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel), cuja receita provém de taxas cobradas de operadoras de celulares que são destinadas a financiar parte das atividades da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). "Não tinha como pegar o dinheiro do Fistel e dizer que ele ia para a TV Pública. Todo o dinheiro de arrecadação vai para o Tesouro. Eu tinha que dar um nome para essa operação", diz o deputado Walter Pinheiro, ao explicar por que adotou o nome de "contribuição" para tentar dar um fundamento legal ao repasse. Isso mostra com que critérios as emendas ao texto-base do projeto foram concebidas.
Mais grave ainda é a falta de autonomia política e editorial da EBC que resultará da aprovação do projeto. Ao justificar a criação da TV Pública, o governo garantiu que o Conselho Curador da emissora seria composto por nomes indicados pela sociedade civil e que eles teriam influência na indicação dos diretores-executivos. Essa forma de escolha já era ruim. Foi piorada no texto aprovado pela Câmara, nos termos do qual somente o presidente da República e o Conselho de Administração, integrado exclusivamente por representantes do governo, têm a prerrogativa de indicar os diretores da EBC. Com isso criam-se condições para que a TV Pública se converta em mais um instrumento de divulgação e propaganda do Palácio do Planalto.
A possibilidade de isso acontecer é reforçada pelo fato de a EBC ter ficado vinculada à Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), cujo ministro detém a prerrogativa de indicar o presidente do Conselho de Administração da emissora. "Sejamos claros: esse vínculo institucional da EBC com a Presidência da República vai na contramão dos melhores princípios da comunicação pública. Nos Estados democráticos, emissoras públicas têm mais afinidade com a área da cultura do que com áreas encarregadas da agenda da Presidência da República. A Secom não é organismo com finalidades culturais. Basta ver do que ela se ocupa. Em primeiro lugar, gerencia a publicidade do governo, ou seja, compra espaço publicitário nos meios de comunicação privados. Além disso, cuida da assessoria de imprensa do presidente da República, trabalhando para promover uma imagem favorável. Faz comunicação de governo, não comunicação pública", diz o jornalista Eugênio Bucci, em artigo publicado no Estado de quinta-feira. Bucci sabe do que está falando, pois presidiu a Radiobrás no primeiro mandato do presidente Lula.
É possível que não haja obstáculos políticos para a correção, pelo Senado, dos erros cometidos, pela Câmara, na definição de suas fontes de financiamento e na dispensa de licitação e de concurso. O mesmo não se pode afirmar da vinculação da EBC à Secom e da forma de escolha de diretores, que, certamente, não foram um "erro" da Câmara, mas sim a obediência da maioria situacionista a um comando do governo.
Opinião do Estadão: Uma TV à mercê do governo
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