Confirmado no posto máximo da ditadura cubana - pelo voto tradicionalmente unânime dos 614 integrantes da Assembléia Nacional -, Raúl Castro pediu-lhes "autorização" para continuar consultando o irmão antes de tomar decisões "de especial transcendência". Afinal, entoou, "Fidel está aí, como sempre, com a mente bem clara e a capacidade de análise mais que intacta, fortalecida." Decerto ele há de ter recorrido aos formidáveis atributos analíticos do seu octogenário big brother antes de tomar a transcendente decisão de acentuar o perfil gerontocrático da cúpula do regime. Não era para valer, portanto, a fraterna sugestão, contida na mensagem de renúncia formal ao poder, divulgada há uma semana, de acrescentar aos "quadros da velha guarda" que conduz o sistema representantes da "geração intermediária" e os que eram "muito jovens quando se iniciou a primeira etapa da revolução".
O novo primeiro vice-presidente, José Ramón Machado Ventura, tem um ano a mais do que os 76 de Raúl. Outro vice, Juan Almeida Bosque, tem 80. Outro ainda, o general Julio Casas Regueiro, que substitui Raúl no comando das Forças Armadas, também tem 76 anos. Mantido na presidência da Assembléia, Ricardo Alarcón tem 70. Perto deles, aos 56, o secretário do Conselho de Ministros, Carlos Lage - que os eternos otimistas imaginavam que seria promovido a segundo de Raúl -, é um daqueles "muito jovens" de que falou Fidel. A ascensão de Ventura, pela idade e pela dureza de suas posições, é uma daquelas mudanças que se fazem para garantir que tudo permaneça na mesma. Como a história dos regimes totalitários não deixa margem a dúvidas, a consolidação da gerontocracia cubana comprova que a única coisa que verdadeiramente os irmãos Castro e os seus homens de absoluta confiança têm a oferecer é mais do mesmo. O único sofrimento que acaba para os cubanos é o de ouvir discursos de 4 horas, pelo menos, del comandante.
No seu breve - para os padrões fidelistas - discurso de posse (43 minutos), tudo o que o irmão caçula anunciou em matéria de inovação foi "começar a eliminar as proibições mais simples, como as que limitam a concessão de benefícios a alguns cidadãos". É esse o alcance da transição cubana prognosticada nos últimos dias, num assomo de wishful thinking, nos comentários sobre o advento de "reformas econômicas". Primeiro, só não vê quem não quer que, enquanto Fidel for vivo e puder tutelar o regime, Cuba perpetuará o seu catastrófico legado. Segundo, quando se fala em reformas econômicas, presume-se obviamente uma economia a ser reformada. Aplicado a Cuba, no entanto, o termo remete ao reino da ficção. Excetuado o turismo e a ainda incipiente exploração de petróleo, a economia cubana está na Flórida, para onde fugiram, nos primeiros momentos de la revolución, 600 mil pessoas (10% da população da ilha, que era de 6 milhões quando Fidel entrou em Havana).
Desde que os Estados Unidos romperam com Cuba, em janeiro de 1961, até 1989, quando a URSS passou a fazer água, o país viveu da mesada soviética - o equivalente a US$ 1 milhão por dia, em valores históricos. Nos quatro anos seguintes, 1/3 do PIB cubano se evaporou. Em desespero de causa, Fidel abriu as portas ao capital estrangeiro e permitiu a 200 mil cubanos trabalhar como autônomos. No entanto, assim que achou um novo padrinho - Hugo Chávez com os seus petrodólares - reintroduziu o arrocho. À parte a renda do turismo, repita-se, Cuba depende da mesada venezuelana, que se estima em US$ 6 bilhões (para um PIB de US$ 45 bilhões). Excetuados os generais que mandam na indústria do turismo e os chefões do Partido Comunista, a elite econômica local é a dos carregadores de malas do aeroporto de Varadero, a capital turística da ilha, e daqueles que conseguem ser pagos em moeda americana.
A esmagadora maioria dos 11 milhões de cubanos vive de cesta básica e ganha o equivalente a um Bolsa-Família: o salário médio dos cubanos é de US$ 25. Décadas de miséria, medo e desesperança transformaram uma das mais exuberantes populações do mundo numa sociedade aplastada: nem na Rússia soviética nem na China de Mao a apatia desceu a níveis comparáveis. Os cubanos vivem em estado de hibernação política e econômica - de que tão cedo não sairão. A indiferença do povo à tragicomédia encenada domingo no Palácio das Convenções de Havana resume cinco décadas de insânia do "insubstituível" Fidel Castro.
Comentário: Perfeito!
Editorial do Estadão: Nada de novo em Havana
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