terça-feira, 8 de abril de 2008

Opinião do Estadão: A TV chapa branca

Se havia ainda alguma dúvida com relação ao risco de instrumentalização política da TV Pública, ela foi desfeita por dois fatos recentes. O primeiro fato foi a demissão do jornalista Luiz Lobo, editor-chefe do primeiro e único programa que a TV Brasil produziu desde sua estréia, em dezembro de 2007. Ele foi afastado do cargo na sexta-feira por se recusar a interferir no noticiário, em favor do Palácio do Planalto. O segundo fato é o relato que o jornalista Eugênio Bucci faz no livro A guerra entre a chapa-branca e o direito à informação, que chega esta semana às livrarias, sobre as dificuldades que teve para manter um padrão de isenção na Radiobrás, nos quatro anos em que dirigiu a empresa, no primeiro mandato do presidente Lula.

Os dois fatos compõem uma tendência que derrota o argumento invocado pelo chefe do governo para justificar a criação da TV Pública. Para Lula, seu objetivo seria apenas divulgar programas culturais e didáticos, não podendo jamais ser convertida em instrumento de promoção. "Eu sonho grande, não sei se a gente vai conseguir construí-la. E que não seja coisa chapa branca, porque chapa branca parece bom, mas acaba enchendo o saco. Não é coisa para falar bem do governo, é para informar. A informação tal como ela é, sem pintar de cor-de-rosa", disse Lula em 28 de março de 2007, quando deu posse ao ministro encarregado de implementar esse projeto, Franklin Martins.

As razões que levaram à demissão do jornalista Luiz Lobo mostram a distância existente entre a retórica do presidente e a realidade. "Existe, sim, interferência do Planalto dentro da TV Brasil. Há um cuidado que vai além do jornalismo", disse ele ao jornal Folha de S.Paulo. Segundo Lobo, todos os textos sobre Lula, sobre política e sobre economia passam na TV Brasil pelo crivo de uma jornalista que é casada com um dos assessores de imprensa do presidente da República. "É ela quem edita. Existe um poder dentro daquela redação. Eu era editor-chefe, mas perdi a autonomia até para fazer as manchetes do telejornal", afirma.

Lobo conta que as pressões, que sempre existiram, aumentaram ainda mais nas últimas semanas, após a eclosão da crise dos cartões corporativos e da epidemia de dengue no Rio de Janeiro. "Não podíamos falar em dossiê, mas em 'levantamento' sobre uso dos cartões. Depois, a orientação era falar em 'suposto' dossiê", conta ele. Nas reportagens sobre a dengue, a orientação era para informar que a epidemia decorria de cortes orçamentários resultantes do fim da CPMF, cuja derrubada foi uma vitória da oposição. Segundo Lobo, a idéia era eximir o governo de responsabilidade em matéria de deficiências de saúde pública.

O depoimento de Eugênio Bucci é igualmente esclarecedor. O jornalista narra as pressões que sofreu do então chefe da Casa Civil, José Dirceu, após a descoberta de que o assessor Waldomiro Diniz fora flagrado em vídeo pedindo propina a donos de bingo e após a eclosão da crise do mensalão. Nas duas ocasiões, o Planalto tentou interferir no noticiário da Radiobrás. "Todos os dias o abominável era noticiado (...) As denúncias de corrupção explodiam no meio da rua ou na cozinha de qualquer um (...) Ministros caiam como abacates (...) Havia um bueiro se exumando à nossa volta. A gente tinha vergonha de se olhar no espelho."

Bucci também conta como assessores do círculo íntimo de Lula o pressionaram para enviesar ideologicamente o noticiário da Radiobrás e relata que, em busca da popularidade perdida após a crise do mensalão, o presidente seguiu à risca o conselho de seus marqueteiros políticos. "Na era do marketing, governar é fazer campanha eleitoral permanente, é fazer publicidade de obras a inaugurar, recém-inauguradas ou nem mesmo existentes." Numa das passagens mais importantes do livro, Bucci explica por que não se afastou do cargo assim que começou a ser pressionado. "Um sentimento me segurou. Eu tinha um trabalho e não iria abandoná-lo às hienas, aos oportunistas reconvertidos à utilidade pública da Voz do Brasil, aos cabos eleitorais transformados em assessores de luxo."

A demissão do jornalista Luiz Lobo e o depoimento do jornalista Eugênio Bucci deixam claro que não há antídotos para impedir a TV Pública de ser convertida em emissora chapa branca e em palanque eletrônico. Afinal, não pode haver isenção e ética jornalísticas em redações de órgãos oficiais de comunicação controladas a ferro e fogo pelos governantes.
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